Carta Pública assinada por 50 personalidades crítica pressões das Big Techs e apoia o Brasil em sua busca por independência digital
Em um movimento sem precedentes, 50 acadêmicos e intelectuais reconhecidos internacionalmente assinaram uma carta aberta condenando os ataques de Elon Musk e das Big Techs à soberania digital do Brasil. A carta, que publicada nesta terça-feira (17), destaca a importância da independência digital e critica as tentativas das corporações de tecnologia de controlar o espaço digital e minar as iniciativas de países democráticos.
O documento, que conta com a assinatura de economistas, autores e especialistas em tecnologia de países como Argentina, França, EUA, Austrália, Reino Unido, Espanha, Suíça e Itália, expressa preocupação com os ataques em andamento por parte das Big Techs e seus aliados contra a soberania digital do Brasil (Leia a carta na íntegra e os nomes e instituições representadas no final da matéria).
A carta aborda a disputa do Judiciário brasileiro com Elon Musk e a plataforma X, que foi banida do ciberespaço brasileiro por não cumprir as decisões judiciais que exigiam a suspensão de contas que instigaram extremistas de direita a participar de motins e ocupar os palácios Legislativo, Judiciário e Governamental em 8 de janeiro de 2023.
Os signatários da carta também destacam a importância da regulamentação das plataformas digitais e a necessidade de desenvolver princípios básicos de regulamentação transnacional para o acesso e uso de serviços digitais, promovendo ecossistemas digitais que coloquem as pessoas e o planeta à frente dos lucros.
A carta conclama “todos aqueles que defendem valores democráticos” a apoiarem o Brasil em sua busca pela soberania digital e exige que as Big Techs cessem suas tentativas de sabotar as iniciativas do Brasil voltadas para a construção de capacidades independentes em inteligência artificial, infraestrutura pública digital, governança de dados e serviços de nuvem.
Entenda o conflito
A relação entre o Brasil e Elon Musk é marcada por tensões e atritos que se intensificaram nos últimos anos. As causas do conflito são diversas e incluem questões relacionadas à liberdade de expressão e regulamentação, interferência em assuntos internos do país, questões comerciais e desafio à soberania nacional.
Em relação à liberdade de expressão e regulamentação, a remoção de conteúdo e a disseminação de discursos de ódio e fake news têm sido pontos de controvérsia. Além disso, a interferência de Musk em assuntos internos do Brasil, incluindo críticas ao governo e ao judiciário, bem como o apoio a grupos políticos, tem gerado tensões.
As questões comerciais também têm sido uma fonte de conflito, com irregularidades na Starlink, empresa de internet via satélite de Musk, e a exploração de recursos naturais no Brasil. Além disso, o desafio à soberania nacional, incluindo o descaso com decisões judiciais e o fechamento de escritórios, tem sido visto como uma afronta ao país.
A suspensão da rede X no Brasil foi determinada devido à desobediência judicial e ao não cumprimento das decisões judiciais. Além disso, a rede X tem colecionado atritos com autoridades de diversos países, incluindo o Brasil, Austrália, Inglaterra, União Europeia (UE), Venezuela, entre outros. Adicionalmente, Elon Musk é investigado no STF no inquérito das milícias digitais que apura a atuação de grupos que supostamente se organizaram nas redes para atacar o STF, seus membros e a eleição brasileira de 2022.
Nesta quarta-feira (18) a rede social X, controlada por Elon Musk, utilizou uma atualização operacional para contornar a suspensão determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, trocando o endereço eletrônico bloqueado e hospedando seu conteúdo nos servidores da Cloudflare, uma empresa norte-americana especializada em segurança de sites, violando a ordem judicial e desrespeitando a soberania e as leis brasileiras, o que pode levar a novas providências cabíveis.
As consequências do conflito incluem a polarização da sociedade, incertezas jurídicas e danos à imagem do Brasil no exterior. Não é uma simples questão de liberdade de expressão, mas de soberania nacional e os respeitos as leis brasileiras. É difícil prever como essa situação se desenrolará no futuro, mas é possível que as tensões continuem existindo enquanto não houver um diálogo mais construtivo entre as partes. A principio a lei no Brasil vale para todos, no entanto, parece que o empresário mais rico do mundo quer provar que existe exceção. Uma exceção que pretende estar acima da soberania e das leis que regem o Brasil. Se a lei vale para mim, vale para você e para todas as empresas que atuam no Brasil, portanto, deve valer também para as empresas de Elon Musk.
Leia a carta pública na íntegra
Carta Pública Contra o Ataque das Big Techs à Soberania Digital
Nós, os abaixo-assinados, desejamos expressar nossa profunda preocupação com os ataques em andamento por parte das Big Techs e seus aliados contra a soberania digital do Brasil. A disputa do Judiciário brasileiro com Elon Musk é apenas o mais recente exemplo de um esforço mais amplo para restringir a capacidade das nações soberanas de definir uma agenda de desenvolvimento digital livre do controle de megacorporações sediadas nos Estados Unidos.
No final de agosto, o Supremo Tribunal Federal brasileiro baniu a plataforma X do ciberespaço brasileiro por não cumprir as decisões judiciais que exigiam a suspensão de contas que instigaram extremistas de direita a participar de motins e ocupar os palácios Legislativo, Judiciário e Governamental em 8 de janeiro de 2023.
Posteriormente, o presidente Lula da Silva deixou claro a intenção do governo brasileiro de buscar independência digital: diminuir a dependência do país de entidades estrangeiras para dados, capacidades de IA e infraestrutura digital, além de promover o desenvolvimento de ecossistemas tecnológicos locais. De acordo com esses objetivos, o estado brasileiro também pretende forçar as Big Techs a pagar impostos justos, cumprir as leis locais e ser responsabilizadas pelas externalidades sociais de seus modelos de negócios, que muitas vezes promovem violência e desigualdade.
Esses esforços foram recebidos com ataques do proprietário da X e de líderes de direita que reclamam sobre democracia e liberdade de expressão. Mais precisamente porque o espaço digital carece de acordos regulatórios internacionais e democraticamente decididos, grandes empresas de tecnologia operam como governantes, decidindo o que deve ser moderado e o que deve ser promovido em suas plataformas.
Além disso, a plataforma X e outras empresas começaram a se organizar, junto com seus aliados dentro e fora do país, para minar iniciativas que visam a autonomia tecnológica do Brasil. Mais do que um aviso ao Brasil, suas ações enviam uma mensagem preocupante ao mundo: que países democráticos que buscam independência da dominação das Big Tech correm o risco de sofrerem interrupções em suas democracias, com algumas Big Techs apoiando movimentos e partidos de extrema-direita.
O caso brasileiro tornou-se o principal front no conflito global em evolução entre as corporações digitais e aqueles que buscam construir um cenário digital democrático e centrado nas pessoas, focado no desenvolvimento social e econômico.
As empresas de tecnologia não apenas controlam o mundo digital, mas também fazem lobby e operam contra a capacidade do setor público de criar e manter uma agenda digital independente baseada em valores, necessidades e aspirações locais. Quando seus interesses financeiros estão em jogo, elas trabalham alegremente com governos autoritários. O que precisamos é de espaço digital suficiente para que os estados possam direcionar as tecnologias colocando as pessoas e o planeta à frente dos lucros privados ou do controle unilateral do estado.
Todos aqueles que defendem os valores democráticos devem apoiar o Brasil em sua busca pela soberania digital. Exigimos que as Big Techs cessem suas tentativas de sabotar as iniciativas do Brasil voltadas para a construção de capacidades independentes em inteligência artificial, infraestrutura pública digital, governança de dados e serviços de nuvem. Esses ataques minam não apenas os direitos dos cidadãos brasileiros, mas as aspirações mais amplas de todas as nações democráticas de alcançar a soberania tecnológica.
Também pedimos ao governo do Brasil que seja firme na implementação de sua agenda digital e denuncie as pressões contra ela. O sistema ONU e os governos ao redor do mundo devem apoiar esses esforços. Este é um momento decisivo para o mundo. Uma abordagem independente para recuperar a soberania digital e o controle sobre nossa esfera pública digital não pode esperar. Há também uma necessidade urgente de desenvolver, dentro do marco da ONU, os princípios básicos de regulamentação transnacional para o acesso e uso de serviços digitais, promovendo ecossistemas digitais que coloquem as pessoas e o planeta à frente dos lucros, para que esse campo de provas das Big Techs não se torne uma prática comum em outros territórios.
Assinam:
Anita Gurumurthy, IT for Change
Çag rı Çavuş, SOMO
Assoc Prof. Cecilia Rikap, University College London, IIPP and CONICET
Prof. Ce dric Durand, University of Geneva
Prof. C P Chandrasekhar, IDEAs and PERI, UMass
Dr. Cory Doctorow (h.c.), author, activist, journalist.
Prof. Cristina Caffarra, University College London, CEPR Competition RPN
Prof. Daron Acemoglu, MIT Economics
David Adler, Progressive International
Ekaitz Cancela, Center for the Advancement of Infrastructural Imagination (CAII)
Assoc Prof. Edemilson Parana , LUT University
Prof. Emiliano Brancaccio, University of Sannio
Dr. Evgeny Morozov, author and producer of “The Santiago Boys” and “A Sense of Rebellion”
Assoc Prof. Francesca Bria, University College London, IIPP and Stifung Mercator
Prof. Gabriel Zucman, Paris School of Economics and UC Berkeley
Helena Martins, Federal University of Ceara
Prof. Jason Hickel, ICTA-UAB and LSE
Dr. Jathan Sadowski, Monash University
Prof. Jayati Ghosh, University of Massachusetts Amherst, Deparment of Economics
Dr. Joel Rabinovich, King’s College London
Jose Graziano da Silva, Dir Gen Instituto Fome Zero-Zero Hunger Institute, former DG of FAO-UN
Prof. Jose van Dijck, Utrecht University
Prof. Juan Martı n Gran a, CONICET and Universidad Nacional de San Martı n
Prof. Julia Cage , Sciences Po Paris, Department of Economics
Prof. Marcela Amaro, Universidad Nacional Auto noma de Me xico
Prof. Marcos Dantas, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof. Mariana Mazzucato, University College London, author of Mission Economy
Prof. Margarita Olivera, Institute of Economics, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Margarida Silva, SOMO
Maria Farrell, writer
Marietje Schaake, Stanford University, author of “The Tech Coup”
Prof. Martı n Becerra, CONICET and Universidad de Buenos Aires
Prof. Martı n Guzman, School of International and Public Affairs (SIPA), Columbia University
Nandini Chami, IT for Change
Dr. Niall Reddy, Wits University
Prof. Nick Couldry, London School of Economics
Dr. Nick Srnicek, King’s College London
Prof. Paola Ricaurte Quijano, Tecnolo gico de Monterrey
Prof. Paolo Gerbaudo, Universidad Complutense de Madrid
Paris Marx, Host of Tech Won’t Save Us
Prof. Phoebe Moore, University of Essex
Dr. Raffaele Giammetti, University of Cassino and Southern Lazio
Renata A vila, CEO – Open Knowledge Foundation, affiliated to CIS at CNRS France
Robin Berjon – Governance Technologist
Rodrigo Fernandez, SOMO
Prof. Sergio Amadeu da Silveira – Federal University of ABC
Prof. Shoshana Zuboff, Author “The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future
at the New Frontier of Power”
Sofı a Scasserra, Transnational Institute (TNI)
Prof. Stefano Lucarelli, University of Bergamo
Prof. Thomas Piketty, Paris School of Economics and EHESS
Prof. Ulises Mejias, State University of New York
Prof. Ugo Pagano, University of Siena
Prof. Wolfgang Streeck, Max Planck Institute for the Study of Societies
Yanis Varoufakis, General Secretary, MeRA25