Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o perfil das principais vítimas de estupro no Brasil em 2022 revela dados alarmantes: 61,4% das vítimas tinham no máximo 13 anos, com crianças e adolescentes sendo as maiores vítimas de violência sexual. Em termos de raça, 56% das vítimas são negras (pretas ou pardas), e 68% dos casos de estupro ocorrem dentro de residências. Esses dados destacam a extrema vulnerabilidade das crianças, especialmente meninas, e sublinham a importância crucial de combater essa grave violência.
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (12) o regime de urgência para o Projeto de Lei 1904/24, que propõe equiparar o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio, aumentando a pena máxima para quem realizar o procedimento de dez para 20 anos. Esta medida permite que o texto seja votado diretamente no plenário, sem passar pelas comissões da Câmara.
O Projeto de Lei 1904/24, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio. O deputado Eli Borges (PL-TO), autor do requerimento de urgência e coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, justificou a medida citando a Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmando que um feto a partir de 22 semanas pode viver fora do útero.
Em contrapartida, a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) criticou a proposta, argumentando que ela criminaliza crianças e adolescentes vítimas de estupro, e destacando que mais de 60% das vítimas de violência sexual têm menos de 14 anos. Bomfim apontou a desproporção das penas, onde uma menina estuprada poderia enfrentar 20 anos de prisão por aborto, enquanto o estuprador poderia receber apenas 8 anos.
A votação do regime de urgência foi realizada simbolicamente, o que gerou críticas de parlamentares do Psol, como Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Chico Alencar (Psol-RJ), que reclamaram da falta de transparência e do anúncio prévio dos projetos a serem votados.
O projeto de lei fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais. Atualmente, a lei permite o aborto nos casos de estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia fetal, sem especificar um tempo máximo de gestação para esses procedimentos. O aborto fora dessas condições é punido com penas que variam de um a três anos se provocado pela gestante ou com seu consentimento, e de três a dez anos se realizado sem o consentimento da gestante.
Com a nova proposta, a pena máxima para abortos cometidos após 22 semanas de gestação passa a ser de 20 anos, igualando-se à pena de homicídio simples prevista no artigo 121 do Código Penal.
Este projeto de lei um retrocesso à legislação de 1940, que prevê duas exceções em relação ao aborto quando realizado por um médico: o aborto necessário, quando não há outro meio de salvar a vida da gestante, e o aborto em caso de gravidez resultante de estupro, ambos não punidos.
Essas exceções garantem o direito à interrupção da gravidez em situações específicas, como forma de proteger a saúde e a dignidade das mulheres. O Projeto de Lei 1904/24 é visto como imoral, pois os deputados estão legislando para criminalizar as vítimas e não os estupradores criminosos.
As consequências de um estupro são devastadoras, afetando vítimas de todas as idades, especialmente meninas de 14 anos e mulheres. O impacto emocional e psicológico é profundo, incluindo transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, ansiedade, sentimento de culpa e vergonha.
Vítimas frequentemente enfrentam distúrbios alimentares e de sono, além de dificuldades em manter relacionamentos e se reintegrar socialmente. Além do trauma psicológico, a gravidez resultante de um estupro acrescenta um fardo emocional e físico significativo, exigindo acompanhamento médico e terapias psicológicas prolongadas, muitas vezes com custos financeiros elevados.
Quando uma vítima é obrigada a levar a gestação até o final, as consequências são ainda mais severas. A obrigação pode agravar o trauma psicológico, levando a um sofrimento emocional adicional e estigmatização social. Meninas e mulheres enfrentam riscos à saúde física e mental, além de interrupções em suas vidas educacionais e profissionais.
Mesmo se a criança for entregue para adoção, a dor emocional e os desafios financeiros persistem. A imposição de continuar com a gravidez resultante de um estupro não apenas prolonga o sofrimento da vítima, mas também levanta questões de justiça e moralidade, destacando a necessidade urgente de apoio psicológico, jurídico e financeiro abrangente para essas vítimas.
Estes deputados querem criminalizar mais uma vez a vítima do estupro, não estão preocupados com os desdobramentos da lei, apenas com estereótipo machista de manter o domínio sobre as mulheres e os seus corpos. A proposta não aborda os desdobramentos e consequências do Projeto de Lei 1904/24, e em especial, a questão do suporte financeiro e psicológica para as vítimas de estupro que são forçadas a levar a gravidez até o fim.
Consequências que já existem e são bem pesadas já na violação dos seus corpos. Esta omissão poderia levantar a pergunta: o Estado irá oferecer compensação financeira para essas meninas e mulheres, garantindo que possam arcar com as despesas de criar uma criança? Não, porque a causa passa longe do grave problema de origem. Trata-se de um desserviço à sociedade. E se fosse pessoa estuprada fosse sua filha?