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O paraíso dos loucos por séries e, afinal, quem tem medo de “Emilia Pérez” ?

Jennifer Aniston em "The Morning Show" e Jason Sudeikis em "Ted Lasso" (Fotos: Divulgação)

Há tantas plataformas de streaming em atividade que fica difícil escolher qual/quais a/as  que apresentam melhor custo-benefício. A mais popular pela quantidade de  filmes e séries é a Netflix, mas isso não significa qualidade. Segue-se a Prime, da gigante Amazon, [que abriga também a Paramount, o MUBI e vários outros canais, pagos à parte]; a Disney; a HBO/Max e as menores como o Belas Artes a la Carte, especializado em clássicos, e a brasileira Globo Play, o Canal Brasil, dedicado ao cinema nacional ,entre outras.

Sou assinante de todas, mas em muitos momentos me ressentia de boas produções para ver e indicar aqui na coluna. Já tinha lido bastante sobre a Apple TV+, mas não conseguia conectá-la por questões técnicas ao meu televisor. Tentei de várias maneiras, sem sucesso, até que a indefectível Claro/Net abriu a possibilidade de assinatura da Apple pela operadora. Não hesitei 24 horas! Foi a melhor aquisição que fiz nos últimos tempos. E se você, assim como eu, é apaixonado por séries, fica a minha sugestão: Apple TV é o paraíso! A plataforma oferece bons filmes também, mas seu forte são as séries muito bem produzidas, com atores e diretores de ponta.

Selecionei três produções que já assisti, mas ainda há muita coisa para ver. Há séries de vários gêneros, desde terror, ficção científica até românticas. Finalmente, parei de repetir o mantra do cinéfilo diante da TV – ‘não tem nada para ver’ !

Uma observação importante: não sou influencer fazendo publi na internet, nem a coluna reza pela cartilha de algum patrocinador, sugiro porque gosto mesmo. Espero que vocês curtam a dica.

 

The Morning Show retrata os bastidores de um famoso programa matinal de televisão que enfrenta um turbilhão depois que seu apresentador, Mitch Kessler, é acusado de assédio sexual por funcionárias da emissora. Em plena época do movimento Me Too, a denúncia cai como uma bomba sobre a emissora que já não anda bem das pernas. O jornalista é interpretado por Steve Carell, provando mais uma vez que é competente também como ator dramático. Sua parceira na apresentação é a estressada Alex Levy, levada com maestria por Jennifer Aniston, a ex-namoradinha da América, graças ao seu papel  em “Friends”. Completando o trio principal está Reese Witherspoon , uma repórter quase desconhecida que acaba na poderoso grupo do The Morning Show. Os personagens paralelos são muito importantes para completar um ambiente onde ninguém é santo ou desinteressado. Quem conhece o funcionamento de uma redação jornalística de TV, a série é duplamente interessante.

As três temporadas estão disponíveis na Apple.

 

Disclaimer traz o selo de qualidade de Cate Blanchet, uma atriz versátil que sabe escolher bons papeis e carrega um monte de atuações premiadas.  Para ficar ainda melhor, a minissérie em sete episódios é dirigida pelo mexicano Alfonso Cuarón, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional por “Roma” (2019). Mesmo assim, a produção que traz também o ótimo Kevin Kline no elenco, divide opiniões. Nem todo mundo gostou do drama da jornalista famosa e bem casada que enfrenta um revés em sua vida estável quando recebe os originais de um livro contando uma aventura amorosa vivida por ela no passado. Quem está por trás disso? Como a publicação do livro poderá prejudicar sua vida? O que realmente aconteceu? Quem gosta de reviravoltas – os chamados plot twist – não vai se decepcionar.

 

Slow Horses é uma série ótima que mistura espionagem, humor e drama na medida certa, envolta na indefectível ironia dos britânicos. Os ‘ cavalos lentos’, em tradução literal, ou pangarés na versão brasileira, são os agentes do MI5 – a agência de segurança e contra-inteligência do Reino Unido – descartados para uma divisão fora da sede principal por terem cometido algum erro. É vergonhoso para alguém trabalhar naquele prédio velho, onde pagam todos os pecados sob o comando de Lamb, um antigo agente brilhante que caiu em desgraça com o alto comando graças à sua insubordinação. O desbocado, cruel, sujo, fumante e beberrão Lamb é brilhantemente interpretado por Gary Oldman. Ele entrou na lista dos nominados aos principais prêmios de TV pelo papel. Só não levou porque no seu caminho tinha Hiroyuki Sanada, o senhor Toronaga de “Shogun – A gloriosa saga do Japão”.

O MI5 real não deve morrer de amores por “Slow Horses” porque a agência é mostrada como um organismo capaz de mentir, torturar, distorcer os fatos para atingir resultados e quem está na comando pensa apenas na própria carreira. Além de Oldman, o elenco é traz intérpretes super talentosos, inclusive a presença luxuosa de Jonathan Price no papel de um importante figurão aposentado que tem um neto transferido para o departamento dos pangarés.

As três temporadas estão disponíveis.

 

Acima de qualquer suspeita pode dar a você a sensação de já conhecer a história. E é possível porque essa é a quarta adaptação do romance “Presumed Innocent”, de Scott Turow,para o cinema ou TV. A mais conhecida delas é o filme de 1990, com Harrison Ford, dirigido por Alan J. Pakula. Dessa vez, o suspense/drama vem contado em  oito episódios e traz o sempre competente Jake Gyllenhaal no papel principal. Ele é o promotor Rusty Sabich que precisa investigar o brutal assassinato de sua colega de Ministério Público. Acontece que ela era também sua amante. A partir daí, Rusty tenta apagar os rastros desse relacionamento e chama um renomado advogado quando as coisas complicam para seu lado. O jogo de gato e rato é bem feito e nos coloca em dúvida o tempo todo.

 

Ted Lasso é uma das séries de humor mais premiadas dos últimos anos e  aguçava a curiosidade do público. Agora que está disponível no Brasil, pode decepcionar muita gente. Não se trata de um humor rasgado, ao estilo “ Se beber, não case”, por exemplo. Ela gira em torno de Ted Lasso, um técnico de futebol americano, que aceita o convite insólito de um clube londrino para treinar o time. Ted se muda de malas e bagagens com seu fiel amigo e preparador físico para o Reino Unido, sem entender absolutamente nada do esperto bretão. Por trás do convite, está o desejo de vingança da nova presidente do clube, depois de ter sido trocada pelo marido por uma mulher mais jovem. Tudo que ela quer agora e destruir o time que seu ex tanto ama. Acontece que Ted Lasso é o homem mais otimista e gentil do universo. Ele enfrenta com bom humor e paciência os desaforos dos jogadores, o xingamento da torcida e ainda a dor de um casamento em crise. Em tempos de tantas produções sobre violência, tragédias e horror, Ted Lasso pode significar uma pausa para a leveza e o otimismo.

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Precisamos falar sobre a Emilia

*Artigo de Robertson Frizero, escritor, professor e cinéfilo

 

“Emilia Pérez”, obra ambientada no México e falado em espanhol (e inglês), despertou os olhares do mundo, em maio de 2024, ao vencer o Grand Prix – o prêmio do júri – e o prêmio de melhor atuação feminina – dividido pelo grupo de atrizes que encabeçam a produção – naquele festival. Dirigido pelo francês Jacques Audiard, o filme tem como pano de fundo a guerra dos grandes narcocartéis e a tragédia dos milhares de mexicanos desaparecidos por conta do poder e dos desmandos do crime organizado mexicano.

A história é centrada em Manitas, chefe de um cartel que decide assumir sua identidade de mulher trans e fazer sua transição completa – em parte, para fugir das autoridades e de sua vida criminosa – com a ajuda de uma advogada; depois de mudar de vida, o criminoso, agora chamado Emilia Perez, decide retomar a convivência com seus filhos e com a ex-esposa, usando para isso um subterfúgio: apresenta-se como prima de Manitas, disposta a dar uma nova vida à família daquele seu parente sumido no mundo. Tudo isso é contado deforma nada convencional, misturando gêneros tão díspares como o policial e o musical.

O filme francês ganhou, depois dos prêmios em Cannes, um grande impulso de divulgação ao ser adquirido pela poderosa Netflix, que tem investido pesado na divulgação da obra e na corrida de premiações que costumam ocorrer na virada de cada ano. No Globo de Ouro, uma das mais prestigiadas premiações do cinema e televisão, “Emilia Perez” foi o filme com maior número de indicações, sendo considerado para Melhor Atriz de Comédia ou Musical – para Karla Sofía Gascón –, Melhor Atriz Coadjuvante – Selena Gomez –, Melhor Diretor, Melhor Roteiro, Melhor Trilha Sonora, Melhor Canção Original para “Mi Camino”, e recebendo os prêmios de Melhor Filme de Comédia ou Musical, Melhor Filme de Língua Estrangeira, Melhor Atriz Coadjuvante – para Zoe Saldana – e Melhor Canção Original para “El Mal”. O filme ganhou ainda o Prêmio do Cinema Europeu de Melhor Filme e ainda está indicado para prêmios relevantes como o Critic’s Choice, o Bafta, o Goya, o SAG Awards, o Satellite…

Com esse histórico positivo – que certamente renderá muitas indicações na maior premiação do cinema, o Oscar –, por que o filme tem caído nas avaliações do público e da crítica nos últimos dias? A resposta para isso é simples e podemos chamá-la de “o efeito México”.

Com a divulgação cada vez maior do filme, a crítica daquele país começou a divulgar suas primeiras impressões sobre a obra que conta, afinal, uma “história mexicana”. Colunistas de importantes jornais e revistas, bem como influenciadores dedicados ao cinema, começaram a apontar os absurdos da produção. E a questão maior é fácil de resumir: não há México no filme, e sim uma caricatura de um país sob o olhar de estrangeiros – absurdamente – distantes.

O filme, que é francês, escalou para encabeçar a produção duas atrizes norte-americanas e uma atriz espanhola – e o resultado, dizem os detratores do filme, é catastrófico.

Referem-se, em especial, à questão linguística: o filme é, em quase sua totalidade, falado em espanhol – e, espera-se, um espanhol com o peculiar sotaque mexicano. Mas tanto Zoe

Saldana quanto Selena Gomez não conseguem disfarçar seu desconforto no uso de uma língua a qual só estão ligadas por sua ancestralidade, mas que não é uma segunda língua para as atrizes. No caso de Gomez, é ainda pior: há trechos inteiros em que soa simplesmente ininteligível o que a atriz fala, tornando sua interpretação artificial e caricata – uma de suas falas eróticas tornou-se um meme com dezenas de divertidas versões… Mas nada disso pareceu um problema para o diretor – afinal, ele declaradamente não fala nem o espanhol, nem o inglês. Salva-se Karla Sofía Gascón que, além de viver o difícil papel duplo de Manitas/Emilia – pode-se imaginar a dor de uma mulher trans em viver um papel tão masculinizado –, tem o espanhol como língua materna e viveu muitos anos no México.

O fato de atores estrangeiros viverem papéis de outras nacionalidades não é problema algum – Hollywood faz isso desde os tempos do cinema mudo. Também não foram poucos os que atuaram em língua estranha à materna, nem que fosse apenas em poucas falas. Mas, no século XXI, em que a consciência sobre questões delicadas como apropriação cultural, racismo e xenofobia não são mais facilmente relevadas, as críticas mexicanas às atuações em “Emilia Perez” começaram a repercutir mais fortemente na recepção da obra. Contudo, não é apenas o idioma que torna o filme problemático. O filme toca em um assunto que é muito doloroso para os mexicanos – os desaparecidos do narcotráfico, problema que atinge a sociedade como um todo – de forma algo banal e leviana: Emilia Perez é uma personagem construída sob um olhar maniqueísta que beira a ingenuidade – de chefe sanguinário de um grande cartel de drogas, com toda a masculinidade bruta que se imagina para uma personagem assim, ela transforma-se em uma figura santificada, que assume sua personalidade trans aos mesmo tempo em que funda uma ONG para tratar da questão dos desaparecidos; milagrosa, ela converte pandilleros às dezenas e convence até mesmo familiares de suas vítimas a perdoar-lhes incondicionalmente…

Os críticos mexicanos também ficaram enfurecidos pela forma como o filme acaba por glamourizar a dita cultura narco, que tantos danos têm causado ao país. Tudo, segundo eles, é caricatural ao ponto de quase não identificarem naquela América Latina genérica algo que seja realmente mexicano além dos folclorismos – mariachis, tequila, flores e caveiras… Os ataques ao filme aumentaram, sobretudo, diante das declarações do diretor Jacques Audiard – ao ser questionado se havia feito uma pesquisa para o roteiro, ele declarou que “o que sabia do México era suficiente”. Sua produtora de elenco lançou mais lenha na fogueira: disse que fizeram inúmeros testes com mexicanas para o filme, mas que no México não havia “atrizes boas o bastante”. Soma-se a isso o fato de que as canções não são exatamente canções – mais soam como espanhol mal declamado e sussurrado, com direito aos desafinos de Karla Sofía Gascón – e algumas delas parecerem uma constrangedora paródia do próprio filme, como a famosa cena da transição cirúrgica de Manitas/Emilia – “cantada”, aliás, em inglês. Os mexicanos têm apontado, aliás, vários trechos em que o espanhol está distante do uso corrente no país, mais se assemelhando a traduções feitas por Inteligência Artificial – os compositores premiados, aliás, também não falam espanhol.

Outras vozes têm se unido aos mexicanos nas críticas ao filme. O filósofo Paul B.

Preciado – espanhol, conterrâneo de Karla Sofía Gascón e também transexual – vê o filme como “carregado de racismo e transfobia”. Em um duro texto publicado no jornal “El País”, ele disse que precisamos “salvar Emilia, todas as Emilias do México, da violência da indústria cinematográfica”. Preciado aponta que o filme retrata a transexualidade “perpetuando a visão psicopatológica da transição de gênero baseada em premissas como criminalização, exotização etnográfica, representação médica-cirúrgica e assassinato”, assinalando que nem é um spoiler dizer isso, pois “todos os filmes normativos sobre pessoas trans” têm o mesmo destino narrativo. Ele louva a atuação de Gascón, mas ressalta o “racismo, a transfobia, o exotismo antilatino e o binarismo dramático” do roteiro.

Toda essa polêmica afetará, afinal, a corrida do filme rumo ao Oscar? Dificilmente. E a razão é simples: a visão estereotipada do diretor francês é a mesma dos europeus que aplaudiram a obra e dos americanos que reconhecem no filme rostos conhecidos – sobretudo a base de fãs de Selena Gomez garante o sucesso da obra nos Estados Unidos – e enxergam o México exatamente como “Emilia Perez” o retrata: extravagante, violento e divertido.

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Destaques na tela grande

 

Os sonhos de Pepe – direção: Pablo Trobo – documentário- Uruguai

Em um planeta a caminho do colapso climático, onde a humanidade persegue um modelo predatório de desenvolvimento e consumo, a filosofia do ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, acende um alerta em todos nós. O sonho de Pepe é deixar um planeta melhor para as gerações futuras. No entanto, o tempo está se esgotando e não pode ser recuperado.

 

 

Maria Callas – direção: Pablo Larraín – Alemanha/Chile/EUA/Itália

Acompanha a história da vida da maior cantora de ópera do mundo, Maria Callas, durante seus últimos dias na Paris dos anos 1970. O papel rendeu à Angelina Jolie a indicação a alguns prêmios, inclusive ao Globo de Ouro, onde concorreu com Fernanda Torres.

 

*Em cartaz no Cine Paradigma – SC-401 – Florianópolis

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Adeus a David Lynch

Depois de uma generosa pausa no obituário da coluna, ontem veio a notícia da morte de David Lynch. O lendário diretor e roteirista norte-americano criou um estilo próprio ao inserir toques surrealistas em suas histórias. Alguns de seus trabalhos mais conhecidos são “A cidade dos sonhos” (2001), com Naomi Watts, e a série “Twin Peaks” (1990), com Kyle MacLachlan, que fez imenso sucesso bem antes do boom das séries televisivas. Lynch tornou-se um cineasta cultuado, sempre muito bem avaliado pela crítica mais exigente. Um de seus poucos insucessos foi a adaptação de “Duna” (1984), que vem sendo muito lembrada exatamente pela nova adaptação bem sucedida dessa  obra considerada difícil.

Minha lembrança mais forte de Lynch foi ter ao ido ao cinema para assistir “Veludo Azul”, que vinha antecedido de muita polêmica por abordar temas como sexo, desejo e perversão, mas – apesar de certa estranheza – nada me chocou. Lembro bem da atuação de Isabela Rosselini, Dennis Hopper e o mesmo Kyle MacLachlan, uma espécie de alter ego do cineasta. Na época – estamos falando de 1986 – a crítica ficou dividida, mas anos depois, “Veludo Azul” acabou entrando para o rol dos filmes mais cults da cinematografia americana. Em 2017, o documentário  “David Lynch-A Vida de um artista” conta passagens interessantes de sua vida e mostra também um pouco de seu trabalho como artista plástico.

Em tempos de muitos filmes parecidos uns com os outros, quase seguindo um formulário de roteiro padrão, criadores como David Lynch fazem falta para sacudir a mesmice e fazer o espectador ir além da superfície.

A causa da morte não foi revelada, mas Lynch já havia revelado ter problemas respiratórios provenientes do hábito de fumar. Ele revelara recentemente que, por causa de enfisema pulmonar, não poderia mais dirigir presencialmente, mas não descartava fazê-lo remotamente.  Ele tinha 78 anos.

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*Fotos: Divulgação/Reprodução

 

THE END

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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