Portal Making Of

O ‘encontro’ entre Tom Wolfe e Truman Capote em duas ótimas minisséries

Assisti a duas minisséries muito interessantes nos últimos dias. Mesmo que aparentemente uma não tenha nada a ver com a outra, dei-me conta que há um ponto de encontro entre elas. Falo de “Um homem por inteiro” (Netflix) e “Capote versus The Swans” (Star+).

Truman Capote (1924-1984) e Tom Wolfe (1930-2018) tiveram importantes coisas em comum, a principal delas é que os dois jornalistas foram pioneiros do chamado New Journalism. O novo estilo introduzido nos anos 60 dava – ainda dá – às reportagens um tratamento literário, como em um romance.

Wolfe foi também autor de best-sellers como “A Fogueira das Vaidade” (1987) e “Os Eleitos” (1979). Truman Capote escreveu o “A Sangue Frio” (1966), o livro que é considerado o marco inicial da forma literária de escrever textos jornalísticos. Ele levou seis anos pesquisando, fazendo entrevistas com moradores da cidade e com os próprios assassinos de uma família do Kansas para contar a história do crime. Antes disso, ele havia escrito “Bonequinha de Luxo” (1958), adaptado no cinema por Blake Edwards, e um dos maiores sucessos de Audrey Hepburn.

E Wolfe e Truman se cruzam nas duas minisséries que mencionei? Não pessoalmente, mas ambos foram figuras fundamentais para o New Journalism, conviveram com figuras da alta sociedade de Nova York com poucos anos de diferença, gostavam desse privilégio, mas não as pouparam de virarem personagens ironizadas e satirizadas em seus livros.

Um homem por inteiro

A primeira, “Um homem por inteiro”, é baseada no romance homônimo que Wolfe publicou em 1998, depois de levar dez anos para terminar entre pesquisa e escrita. A minissérie tem seis episódios que passam por temas como poder, dinheiro, conchavos políticos, ostentação, racismo e disputa entre machos. O centro de tudo isso é Charlie Croker, que acaba de fazer 60 anos com uma celebração pomposa, mas é assombrado por uma dívida de 800 milhões de dólares que ameaça seu império e seu status na alta sociedade. Até onde ele é capaz de chegar para proteger seus negócios? Ao seu redor muita gente interesseira e a inveja doentia de Raymond Peepgrass, um executivo de banco que sempre se sentiu humilhado por Croker. Tudo é contado com a ironia comum à escrita de Wolfe, mas o final se supera em sátira e resume tudo o que ele quis mostrar.

A interpretação de Jeff Daniels como Charlie Croker garantirá seu nome em todas as premiações do ano. Podem me cobrar depois. Há outros nomes ótimos no elenco, como Lucy Liu, Diane Lane, William Jackson, com destaque para Tom Pelphrey, que vive o antagonista invejoso. Uma curiosidade: a direção da série é da atriz Regina King, oscarizada por seu trabalho em “Se a rua Beale falasse”. (veja o vídeo)

p.s.:  Algumas críticas à série foram ruins, mas acho que vale conferir, achei interessante.  Li também que [apesar de abordar podres poderes, corrupção, machismo, racismo…] o que escandalizou e causou polêmica nas redes sociais foi a cena do nu frontal masculino de Pelphrey. Então tá…

Capote vs The Swans

No caso de Truman Capote, ele não é autor da minissérie, mas o personagem central da segunda temporada de “Feud”, produção que aborda os conflitos entre celebridades, como a primeira que retratou a famosa treta entre as atrizes Bette Davis e Joan Crawford. Desta vez, é Capote versus as chamadas The Swans, mulheres da alta sociedade de Nova York apelidadas de cisnes pelo próprio escritor.

Não é a primeira vez que Capote vira personagem. Em 2006, ele deu a Philip Seymor Hoffman o Oscar e todos os outros prêmios de Melhor Ator do ano, na versão dirigida por Bennett Miller. No mesmo ano, “Confidencial”, de Douglas McGrath com Tobey Jones, apostou em um Truman menos contido e mais espalhafatoso como o verdadeiro escritor. Ambos exploram o longo processo de criação daquela que seria a grande obra de Capote, “A sangue frio”. O primeiro filme foi um sucesso de bilheteria, o segundo, um fracasso, mas ambos são ótimos.

Chegamos então à nova minissérie do Star+ , com  episódios, que traz um recorte importante da vida de Truman Capote, a relação dele com seis das mais famosas socialites nova-iorquinas nos anos 60/70. A série criada pelo prestigiado Ryan Murphy é baseada no best-seller “Capote’s Women: A true story of love, betrayal, and a swan song of an era” (2021) e mostra como o escritor circulava com desenvoltura pelos altos salões e sua presença era disputada nas festas.  O pecado de Capote foi ter registrado muitas das histórias privadas de suas amigas e “cisnes” em um futuro livro, “Súplicas atendidas”. Uma prévia da obra foi publicada pela revista Esquire, pondo fim à amizade entre escritor e as mulheres. Truman acabou banido da alta-sociedade e foi completamente isolado, tendo afundado ainda mais no vício do álcool, o que o levou a morrer aos 59 anos, sem ter terminado “Súplicas atendidas”, onde expunha ainda mais os podres de suas ex-amigas.

A direção da série vem com o selo de qualidade de Gus van Sant que ganhou um elenco estelar de atrizes como Naomi Watts, Diane Lane. Chloe Sevigny, Calista Flockhart, Demi Moore, Molly Ringwald e Jessica Lange. Coube ao ator Tom Hollander, que vimos na última temporada de “The White Lotus”, a difícil missão de igualar ou superar as atuações de Seymor Hoffmann e Tobey Jones para um personagem tão complexo como Truman Capote. Particularmente, acho que Hollander fez um ótimo trabalho e pode disputar os prêmios de melhor ator da temporada com Jeff Daniels.  (Na foto acima, o ator Hollander e o Truman real).

Calma aí, colunista! que ainda há muitos meses pela frente e podem aparecer outros concorrentes fortes!  Ai, acabei de lembrar também de Hiroyuki Sanada que fez o senhor Toranaga em “Xógum”, vai ser bonito ver a disputa este ano.

.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x

Destaques da semana

Séries e minisséries

Bridgerton –  3ª temporada – Netflix

Para alegria dos muitos fãs, chega a nova temporada da série baseada nos romances best-sellers da escritora Julia Quinn, contando histórias de drama e paixão de personagens da alta sociedade de Londres, na Inglaterra.

Desta vez, a trama foca na vida de Penelope Featherington que, após as revelações bombásticas dos últimos capítulos da segunda temporada, desiste de seu romance com Colin Bridgerton. Agora ela quer dar um novo rumo para a sua vida amorosa, ao mesmo tempo em que precisa se estabelecer financeiramente para manter seu segredo como Lady Whistledown, a jornalista anônima que escreve sobre os acontecimentos sociais locais.

O Museu – 6 episódios – Star+

Essa comédia espanhola tem foco em Antonio Dumas, o mal-humorado novo diretor de um importante museu de arte contemporânea em Madri. Ao assumir, ele encontra uma situação caótica, como expositores ruins protegidos pela Ministra da Cultura, protestos contra obras de arte politicamente incorretas, reclamações dos funcionários e instalações problemáticas, como o cadáver mal cheiroso de uma baleia. Dumas é irônico e detesta o politicamente correto que permeia o segmento artístico, mas na vida pessoal também é o avô ranzinza do neto que leva seu nome. O papel principal coube ao argentino Oscar Martínez, que vem trabalhando bastante na Europa.

The Big Cigar: a Fuga – Temporada 1 – Apple TV+

Baseada em fatos, The Big Cigar: a Fuga mostra como foi a fuga de Huey P. Newton, um dos fundadores do grupo Panteras Negras, na década de 60, momento em que sofriam intensa perseguição do governo e de organizações supremacistas. A trama narra os detalhes da fuga, desde o momento em que Newton conhece um produtor de Hollywood até a sua partida para Cuba. André Holland, de Moonlight e The Knick, é o intérprete de Huey P. Newton.

Tributo a Paulo Cesar Pereio (1940- 2024)

No Brasil, ter mais de sessenta filmes no currículo não é para qualquer um, mas Paulo Cesar Pereio construiu ainda outros tantos personagens no teatro e na televisão. Talvez as novas gerações não saibam da importância do ator, morto no último dia 13/05, para a cultura brasileira dentro e fora das telas. Ele estava residindo na Casa dos Artistas, no Rio de Janeiro, foi internado, mas não resistiu a uma severa doença hepática. Estava com 83 anos.

Nascido em Alegrete, RS, Pereio carregava a ironia e certa malandragem de carioca. Rebelde e polêmico nas atitudes, envolveu-se várias vezes com a polícia e ficou oito dias preso na Operação Bandeirantes durante a ditadura militar.

Pereio estreou no cinema em 1964, no importante “Os Fuzis”, de Ruy Guerra. Além de Guerra, ele trabalhou com alguns dos maiores diretores brasileiros, como Glauber Rocha, Hector Babenco, Arnaldo Jabor e Hugo Carvana.

Alguns de seus filmes estão disponíveis em streaming:

A Dama do Lotação (1978), de Neville D’Almeida – Globoplay

Vai Trabalhar, Vagabundo! (1973), de Hugo Carvana – Prime Vídeo

Bar Esperança (1983), de Hugo Carvana – Prime Vídeo

Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977), de Héctor Babenco Globoplay, Netflix e Prime Video

Chuvas de Verão (1978), de Cacá Diegues – Apple TV+

Um dos últimos trabalhos de Paulo Cesar Pereio foi na ótima série “Magnífica 70” (2015-2018), que retrata a produção das chamadas pornochanchadas da Boca do Lixo e o cinema brasileiro sob censura. Ele interpreta um general linha dura, falso moralista e sogro de um censor que muda de lado. As três temporadas estão disponíveis no canal Max.

Com ele vai-se também parte importante da memória do cinema brasileiro, essa arte em eterna luta pela sobrevivência, na qual ele brilhou como poucos. Descanse em paz, Pereio.

.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x

Destaques nas salas de cinema

Back to Black – direção: Sam Taylor- Johnson – 2024

Confesso que não sou muito fã desse tanto das cinebiografias de famosos que têm surgido recentemente, mas fiquei curiosa para conferir o filme sobre aquela que considero um dos maiores talentos surgidos na música mundial nas últimas décadas.

O longa retrata a meteórica carreira de Amy Winehouse, cantora britânica conhecida por sucessos como “Rehab” e “Back to Black”, que morreu por intoxicação alcoólica, em 2011. O filme recebeu algumas críticas ruins, mas a diretora Sam Taylor-Johnson defende que a história foi contada através dos olhos da própria cantora. Ela mostra o início da carreira de Amy e sua tumultuada relação com Blake, seu namorado. Back to Black, o último álbum – que dá nome ao filme – rendeu a ela seis prêmios Grammy. Amy Winehouse teria uma longa e exitosa carreira pela frente se não tivesse morrido aos 27 anos, deixando inconformados seus admiradores do mundo inteiro. (Veja o trailer)

A atriz britânica, Marisa Abela, que interpreta Amy é conhecida também por participar do elenco de “Barbie”.

THE END

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

Compartilhe esses posts nas redes sociais: