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Jacarés, formigas, antas e outros bichos

Jacarés, formigas, antas e outros bichos

Se tudo der certo, na hora em que vocês estiverem lendo esta crônica, estarei preparando o braço para levar a agulhada mais esperada da minha vida. Até 2019, tomar vacina era um ato quase banal: “ah, vou ali no posto me imunizar contra a gripe influenza e já volto”. Isso se repetia todo ano.

O coronavírus elevou a importância da vacinação a outro patamar. Agora é questão de vida ou morte, não apenas se vamos espirrar e tossir durante alguns dias. Vale até esperar três horas na fila do drive-thru, já que as autoridades competentes (?!) não organizaram as coisas de um modo mais fácil.

Um amigo preparou já na véspera do dia “D” – ou “V” – um pequeno farnel com água, biscoito, uma playlist com suas músicas favoritas, um livro…Só esqueceu de levar os documentos! Tudo por conta da ansiedade. Outra amiga minha pintou o cabelo em casa mesmo, passou rímel e até batom, apesar da máscara! Queria sair bem na foto do momento em que receberia as gotas mágicas. Alguns vacinados dançam, outros louvam o SUS, outros ainda gritam palavras de ordem contra o comando da nossa saúde. Cada qual encontra seu jeito de desafogar o medo que carrega no peito há um ano.

Ao meu olhar, a vacina tem ainda outro significado. Desde o início da pandemia fomos acumulando decepções com pessoas e entidades. A peste expôs um individualismo,  egocentrismo e uma falta de solidariedade gritantes. Alguns ídolos mostraram que tinham pés de barro ao se juntarem à corrente negacionista da doença ou a incentivadores de tratamento com medicamentos ineficazes.

Lemos e ouvimos as maiores sandices vindas de quem teria o poder para implantar uma política de saúde capaz de estancar o morticínio que já sacrificou trezentos mil brasileiros. Uma das tonterías mais bizarras foi o argumento de um ministro contra o lockdown :” o que adianta impedir as pessoas de circularem se não conseguimos impedir que formigas, pulgas e baratas se locomovam e espalhem o vírus?!!!”. Superou a ironia do chefe, autor da ironia  de que a vacina chinesa poderia nos transformar em jacarés. Foi ficando difícil até para mim, conhecida defensora dos humanos, achar o que dizer diante de tanto egoísmo, maldade e…burrice.

Então, chegamos à importância simbólica da vacina. A capacidade e o esforço de cientistas do mundo inteiro em descobrir um antídoto para o vírus feroz que não escolhe nacionalidade ou classe social deram esperança à humanidade. Jamais tinham conseguido desenvolver uma vacina em tão pouco tempo. Eles provaram  nossa capacidade de superar limites intelectuais, acelerar o ritmo da ciência, pensar no bem coletivo. Agora, ficamos alegres não só quando recebemos a foto da mãe, do avô, pessoas no nosso círculo de amizade se vacinando! Vibramos com cada imagem televisiva de alguém que nem conhecemos sendo imunizado. Como se fossem nossos parentes, nossos amigos. Acho que ainda temos jeito. Sim, ainda temos jeito.

(Brígida De Poli)

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FILMES

A revolução dos bichos – direção: John Stephenson- 1999

A bicharada da crônica me fez lembrar de “A Revolução dos Bichos”, baseado no livro de George Orwell (1945), uma fábula sobre a corrupção na União Soviética. A trama: o fazendeiro Jones  é um beberrão que explora seus animais. Revoltada, os bichos se organizam e expulsam o dono cruel e sua esposa da fazenda. Agora, como proprietários da terra, os animais decretam uma série de novas regras e escolhem um novo líder. Trabalhando em equipe para desenvolver na fazenda uma sociedade mais justa, os bichos acabam traídos por seus dirigentes. Os porcos descobrem que a opressão e a ilusão de uma vida melhor são as melhores maneiras de gerar riquezas.

 

A revolução dos bichos- animação – 1954

A primeira adaptação do romance de Orwell para o cinema foi uma animação. Também se tornou o segundo filme animado produzido pelos britânicos. Os direitos da história foram comprados pela CIA como forma de fazer propaganda contra a União Soviética.

 

O Deus da Carnificina – direção: Roman Polanski – 2012

Quem ainda não viu ou quiser rever, o título entrou no acervo do Cine Belas Artes à la Carte. Para mim esse é o melhor filme de Polanski nos últimos anos ( ainda não vi O Oficial e o Espião, de 2019). Alguns críticos malharam a obra, alegando que era uma peça filmada, mas a história é impactante e o elenco ótimo: Kate Winslet e Cristoph Waltz – um atorzaço – Jodie Foster e John C. Reilly.

Os dois casais se encontram para discutir um incidente ocorrido entre os filhos deles. Um garoto bateu no outro e eles querem discutir a situação civilizadamente. Mas, aos poucos, os ânimos esquentam. Ironia, humor ácido,drama, dedo na ferida de um dos problemas contemporâneos…

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SÉRIES

O nome da rosa – 8 episódios – Starzplay/Prime Vídeo

O best-seller de Umberto Eco já tinha rendido um ótimo filme em 1986, com Sean Connery, sob direção de Jean-Jacques Arnaud. Agora, a história do frade William de Baskerville e o noviço Adso, vivido por Christian Slater, virou minissérie.  A redução da trama do romance para as telas era inevitável:  Baskerville investiga uma série de assassinatos num mosteiro italiano, no século 14, ajudado por Adso. Em tempos de cultura reservada apenas a poucos, a imensa biblioteca do mosteiro era um lugar quase inexpugnável.

Para quem ainda lembra do desfecho, a história perde um pouco a graça. Mas, a produção é impecável e o elenco ótimo, a começar por John Turturro como o frade investigador. Aliás, o ator sempre achou que O Nome da Rosa merecia mais tempo para ser contado e incentivou a realização da minissérie. (veja o teaser)


Quem matou Sara? – 10 episódios – Netflix

Sabe aquela série que de tão ruim é interessante? Não sou muito fã de séries mexicanas, exceto talvez a divertida “Run, coiote, run”, mas vejo muita gente curtindo esse suspense da Netflix. “Quem matou Sara?”é repleto de furos, mas mesmo assim deu para ficar intrigado sobre quem afinal matou a irmã do cara que ficou 18 presos pela morte dela. Ele saiu da prisão com sangue nos olhos e busca vingança contra um poderoso empresário e seus filhos , responsáveis por sua prisão e quem sabe pela morte da garota.A melhor que ouvi foi alguém dizer que seria melhor se fosse “ Quem matou o roteirista?”…hahaha. Vai encarar?

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Bônus

Uma balada para Rocky Lane

O You Tube é uma fonte infindável de produções boas e ruins. Quem tem paciência e gosta de garimpar, acaba encontrando  pequenas pérolas. É o caso desse  média-metragem, uma história que faz a alegria de qualquer cinéfilo.

Produzido em Pernambuco, o documentário recebeu  prêmios em  vários festivais brasileiros. Foi exibido também na Índia – Hyderabad  (selecionado para o 2nd Indian Word Film Festival 2018 – março 2018) e em Israel – Tel Aviv  ( Mostra Cinemas do Brasil – Brazilian Cultural Center junho 2019).

Sinopse: Arcoverde, sertão de Pernambuco. Um homem conheceu o cinema, trabalhou no cinema e viveu para o cinema. No início dos anos 80 o cinema fechou: essa foi a maior tragédia de sua vida. Rocky Lane viveu o dilema entre manter a sua própria fantasia ou se despir do personagem e assumir sua identidade real, que pouca gente conhece.

Direção: Djalma Galindo

Ideia original: Eraldo Galindo

Produção e roteiro: Djalma Galindo, Paula Reis, Eraldo Galindo, Edmundo Galindo,

Enildo Galindo, Bruno Costa.

Gênero: Documentário, Ano: 2017, Tempo: 40 min, Formato: Digital 1080 24p,

Classificação: Livre.

Ver aqui : Youtube: https://youtu.be/NpWJtUH6qz4

Ficou curioso e quer quiser saber mais sobre Rocky Lane ? Leia também o artigo de Eraldo Galindo.

ROCKY LANE, O COWBOY DO SERTÃO

UM HOMEM DE DOCE SORRISO, AFABILIDADE DE GESTOS E PALAVRAS, CORAÇÃO ABERTO À VIDA, ESPÍRITO RECHEADO DE SONHOS. 

Tudo isso caberia numa tela de cinema. Era, no entanto, o desenho de uma longa vida, o retrato de um homem chamado Rock Lane. Nascera José Leite Duarte, na cidade de Custódia, sertão de Pernambuco. Viveu a maior parte da sua existência em Arcoverde. Qual Dom Quixote de La Mancha, o personagem imortal de Miguel de Cervantes, costurou o enredo da sua vida nas tramas dos sonhos. 

Encarnou o cowboy das telas do cinema, Rock Lane. Materializou o Personagem pelos becos e ruas da terra dos verdes arcos, seu campo de batalha, seu cenário idílico, o palco privilegiado onde traçou seu destino, sua história. 

Tal personagem confirmaria o título da peça de Pedro Calderón de la Barca “A vida é sonho”. De sonhos se alimentou ao longo do tempo: sonho de tornar-se ator profissional e, quem sabe, roteirista de filmes. 

Escreveu inúmeros roteiros para acalentados filmes futuros, como, por exemplo, “A Caravana da Esperança”, “Na Trilha dos Bandoleiros”, “Domingo Sangrento”, “Do outro Lado da Colina”, “Terra Sem Lei”, “Lágrimas de um Palhaço”, “A Honra Ferida”, “No Velho Rancho”, “A Muralha da Solidão”, “A Carta Criminosa”, entre tantos outros. Este conjunto de escritos contempla romances, dramas, aventuras e novelas. Um acervo inestimável a ser redescoberto e estudado por todos os que cuidam da memória artística e da cultura histórica de Arcoverde, pois se trata, na 2 verdade, de um documento de uma época, o testemunho de um romântico das artes, o retrato da alma de um homem. 

Como a dura realidade impediu a concretização fílmica de tais roteiros, desenhou-os em vivas imagens no fértil campo da imaginação. Rabiscados em cadernos amarelados pela ação das horas, estas estórias chegaram a alguns poucos amigos. E quem ousaria dizer que os devaneios de um romântico cowboy não são, também, pedaços da verdade de uma vida lapidada pelo amor à arte? 

Em torno de Rock há mil estórias e histórias, narrativas definitivamente solidificadas no imaginário coletivo arcoverdense. Algumas dessas, ouvi dele próprio, como o “histórico” fato de ter parado o trem da Great Western, que semanalmente cruzava o centro da cidade transportando cargas e passageiros. E o fez nas imediações da Praça da Bandeira (local onde se situava o Cine Bandeirante – extensão do seu corpo e da sua alma). Era como se ele, Rock, tivesse saído do interior do lendário cinema para viver a aventura do “assalto” intrépido ao trem. 

Cinema ao vivo propiciado pelo quixotesco cowboy aos estupefatos Transeuntes naquela tarde memorável. Há outros relatos sobre um homem em seu cavalo, vestido a caráter (como se fora um personagem saído dos filmes de faroeste), a transitar com galhardia pelas ruas da cidade dos verdes arcos. 

Amores, aventuras, desilusões, perdas, desencontros, reencontros, sonhos: estes elementos tão comuns à existência humana teceram, também, os fios da vida de Rock. Um homem comum, mas com uma nota excepcional a marcar sua história de vida: a identificação profunda com a figura mítica do cowboy desenhado nas telas do cinema. 

Rock ajudou a construir o Cine Bandeirante: viajou de navio para buscar um projetor no Sudeste; foi seu porteiro, vigilante, projetista, programador, transportador dos filmes em rolo e, por um período, seu morador (num quarto minúsculo situado embaixo do grande palco). O “velho Bandeirante” foi parcela significativa da sua vida. Viveu com desolação sua decadência, chorou seu ocaso e fechamento. Porém, sua memória prodigiosa e relatos apaixonados sobre o 3 majestoso cinema transformou a antiga casa de espetáculos em patrimônio imaterial, um veio a alimentar constantemente a história artística da cidade. 

Foi Rock Lane um homem transmutado em sonho. Rock tornou-se fluido, volátil, virou imaginário filme – a mais rara das peças da história Cinematográfica de Arcoverde, seu palco e sua tela. 

Rock Lane agora é história, é lenda, e as lendas não morrem jamais, se eternizam no tempo.

(Eraldo Galindo)

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THE END

(*) Fotos reprodução/divulgação

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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