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Populismo: solução ou ameaça? José María Aznar expõe os riscos para a democracia

Foto: José María Aznar, ex-presidente da Espanha / Crédito: Filipe Scotti.

Nesta quarta-feira (02.10), a Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC) foi palco de uma palestra do ex-presidente da Espanha, José María Aznar, que fez uma análise crítica sobre a polarização política mundial e suas consequências econômicas e sociais. A palestra, “A polarização da política mundial e suas consequências econômicas e sociais”, abordou temas como o populismo, a desinformação, e o enfraquecimento das instituições democráticas.

Em um momento de profundas transformações políticas, Aznar, um conservador tradicional com um histórico de reformas econômicas liberais em seu país, destacou a importância de fortalecer as instituições democráticas, evitando o que chamou de “populismo destrutivo”, um fenômeno que tem agravado a polarização nas democracias modernas.

Durante a palestra, Aznar fala sobre o impacto da revolução tecnológica na sociedade moderna e como isso tem sido utilizado para manipular a opinião pública e fragilizar as instituições democráticas: “O mundo de hoje se baseia no conhecimento dos dados que as pessoas geram e o acesso a esses dados. A capacidade de manipular as pessoas significa dirigi-las em matéria de seus gostos, iniciativas e até decisões políticas e econômicas. Portanto, a briga pelo desenvolvimento de todos esses setores ou vetores é tão importante”. Ele aborda diretamente a questão da desinformação ao falar sobre a capacidade de manipulação de dados gerados pelos usuários por grandes corporações e governos, o que afeta tanto os gostos e decisões das pessoas quanto suas escolhas políticas e econômicas“.

Esse comentário destaca como a inteligência artificial generativa e outras tecnologias são usadas para manipular a informação, criando um cenário de desinformação em larga escala. Ele também menciona a concentração desse poder nas mãos de poucas grandes corporações, como Google, Facebook e Instagram, que controlam a maioria da informação que circula no mundo: “90% do tráfego de internet no mundo chama-se Google, 50% da informação que os Estados Unidos recebem chama-se Facebook, e 80% ou 90% da informação que um jovem de 22 anos de idade recebe em qualquer lugar do mundo chama-se Instagram ou TikTok”. Essa concentração de poder facilita a disseminação de fake news e a manipulação da opinião pública, o que ele sugere ser uma ameaça às democracias contemporâneas.

 

Populismo

Em sua fala, Aznar argumentou que o populismo é uma força que, ao invés de apresentar soluções reais, alimenta a polarização ao atacar as instituições que sustentam a democracia. Segundo ele, o populismo fragmenta a sociedade ao promover uma narrativa de “nós contra eles”, em que as extremidades políticas tomam o centro do debate, enfraquecendo o espaço do diálogo e da conciliação.

A crítica de Aznar ressoou especialmente quando ele abordou os efeitos desse populismo no sistema democrático, ressaltando que os líderes populistas, ao invés de governarem com base em princípios econômicos sólidos, apostam em discursos simplistas e ataques ao Judiciário e à imprensa. Ele mencionou que esse tipo de comportamento não traz prosperidade para o país, mas sim instabilidade e desconfiança nas instituições.

 

Exemplos Contemporâneos

Aznar não mencionou diretamente nomes, mas os exemplos levantados na palestra se alinham claramente aos comportamentos de líderes como Jair Bolsonaro e Donald Trump. Ambos são conhecidos por seus ataques às instituições democráticas, questionando a legitimidade de eleições e promovendo teorias de conspiração. Bolsonaro, por exemplo, passou grande parte de seu mandato minando a confiança no sistema de urnas eletrônicas no Brasil e atacando frequentemente o Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, Aznar alertou sobre os riscos da desinformação, algo que marcou os governos de Trump e Bolsonaro. Durante a pandemia de COVID-19, ambos os líderes se destacaram pela promoção de tratamentos ineficazes e pela resistência às medidas de saúde pública baseadas em ciência, minando a confiança da população em relação às vacinas e às recomendações das autoridades de saúde.

 

O papel destrutivo do populismo

Um ponto central da palestra de Aznar foi a discussão sobre como o populismo destrói as bases de convivência social, colocando as pessoas em trincheiras ideológicas. “O populismo coloca as pessoas em extremos, em que não há propostas, apenas a vontade de que o outro lado não vença”, afirmou o ex-primeiro-ministro. Essa lógica do “partidarismo negativo”, segundo Aznar, cria um ambiente em que as soluções reais para os problemas do país são abandonadas em favor de discursos inflamados que apenas acentuam divisões.

Ao abordar o impacto econômico do populismo, Aznar destacou a falta de políticas econômicas estruturais e sustentáveis, uma crítica indireta a líderes que, como Bolsonaro e Trump, focam em ataques à democracia e à política de costumes em vez de apresentarem planos concretos de desenvolvimento econômico de longo prazo.

 

O futuro da política: reconstruir o diálogo democrático

A palestra de Aznar trouxe à tona a importância de reconstruir o diálogo democrático, fortalecendo o Estado de Direito e as instituições que garantem a governabilidade e o equilíbrio social. Para ele, a solução para a polarização não está nos extremos, mas na capacidade de as sociedades encontrarem pontos em comum para avançar.

“Precisamos de mais diálogo, mais objetivos compartilhados e menos populismo”, concluiu Aznar, lembrando que a fragmentação social e a polarização exacerbada nunca levaram a uma solução duradoura para os problemas das nações.

 

Não é uma questão de direita ou esquerda, mas de populismo destrutivo

A crítica de Aznar é clara: o problema não é a disputa entre direita e esquerda, mas o populismo destrutivo personificado pelos “novos líderes” que, em especial na direita contemporânea, se distanciaram das referências ideológicas e das políticas econômicas estruturadas. Em vez disso, muitos preferem manter a superficialidade dos ataques à democracia, descreditando a ciência e promovendo políticas de costumes que apenas acentuam as divisões sociais.

O verdadeiro desafio para o futuro da política, como Aznar apontou, é garantir que o debate democrático seja informado por fatos e propostas concretas, ao invés de ser sufocado por mentiras, ataques simplistas e desinformação. Se as democracias ocidentais conseguirem resistir ao populismo, encontrarão forças para construir um futuro mais próspero e equilibrado.

 

As críticas de Asnar aplicadas a realidade brasileira

 

José María Aznar, em sua palestra na FIESC, destacou temas centrais relacionados à polarização política, ao populismo e aos ataques às instituições democráticas, criticando duramente movimentos populistas que, segundo ele, pioram a sociedade ao destruir a confiança nas instituições e oferecer soluções simplistas para problemas complexos. Ao analisar os posicionamentos e ações Luiz Inácio Lula da Silva (atual Presidente) e Jair Messias Bolsonaro (ex-Presidente), e que representam os extremos da polarização política no Brasil, percebe-se que as críticas de Aznar encontram maior ressonância nos comportamentos e discursos de Bolsonaro, especialmente em relação à propagação de desinformação e ataques ao sistema democrático. No entanto, há pontos em que ambos os presidentes se distanciam das ideias de Aznar, cada um de forma distinta.

 

Foto: Jair Messias Bolsonaro, ex-Presidente / Crédito: Reprodução / Agência Brasil

Jair Bolsonaro: Populismo e Ataques ao Sistema Democrático

Aznar criticou fortemente o populismo, que, segundo ele, agrava a polarização e enfraquece as instituições. Bolsonaro se encaixa diretamente nesse perfil, dado o seu histórico de ataques contumazes ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao sistema de urnas eletrônicas no Brasil. Ao longo de seu mandato, Bolsonaro utilizou amplamente o discurso de que as eleições seriam fraudadas, mesmo sem apresentar provas, criando um clima de desconfiança generalizada nas instituições democráticas do país.

Um exemplo claro desse comportamento foi a fala de Bolsonaro em julho de 2021, em que ele afirmou que “se não tiver voto impresso, teremos problemas no ano que vem”, referindo-se às eleições de 2022, sem jamais apresentar evidências concretas de fraude nas urnas eletrônicas. Esse tipo de discurso se alinha à crítica de Aznar, que vê no populismo um “partidarismo negativo”, no qual o foco está em minar o lado oposto, sem apresentar soluções efetivas.

Outro exemplo é o episódio de 7 de setembro de 2021, quando Bolsonaro, em um discurso em São Paulo, atacou diretamente o ministro do STF Alexandre de Moraes, dizendo: “Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair.” Esse ataque às instituições, que fazem parte do equilíbrio democrático, foi visto por muitos como uma tentativa de enfraquecer a independência do Judiciário, um dos pontos fundamentais que Aznar defendeu em sua palestra.

A propagação de fake news também foi uma marca do governo Bolsonaro, especialmente no contexto da pandemia de COVID-19, onde ele promoveu tratamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina, e questionou as vacinas. Em junho de 2021, durante uma live, Bolsonaro afirmou que “quem toma vacina está desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)”. Essa declaração, posteriormente desmentida por especialistas, exemplifica como a desinformação foi utilizada para criar desconfiança na ciência e nas instituições de saúde, um comportamento que se alinha à crítica de Aznar sobre a erosão da verdade no populismo.

 

Foto: Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil / Crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil.

Lula: restauração do diálogo ou populismo de esquerda?

Por outro lado, Luiz Inácio Lula da Silva, embora também seja um líder carismático e populista, adota um estilo diferente. Ao contrário de Bolsonaro, Lula tem enfatizado a restauração do diálogo e o fortalecimento das instituições democráticas em seus discursos. Em seu terceiro mandato, Lula tem se posicionado como defensor da democracia, promovendo uma narrativa de reunificação do país após os anos de polarização exacerbada durante o governo Bolsonaro.

Em seu discurso de posse, em janeiro de 2023, Lula disse: “Esta não é uma vitória de mim ou do PT, mas de todo o povo brasileiro, que quer ver esse país voltar a caminhar nos trilhos da democracia, da inclusão e do respeito às instituições.” Esse posicionamento, embora populista no sentido de apelar diretamente ao povo, não resvala no tipo de ataque institucional que Aznar tanto critica.

Lula também enfrenta críticas por usar uma retórica populista em outras áreas. Por exemplo, sua insistência em revisitar programas sociais amplos, como o Bolsa Família, sem necessariamente abordar reformas estruturais, pode ser vista como uma abordagem que simplifica problemas sociais complexos sem resolver questões subjacentes, como reformas econômicas ou a melhoria do sistema educacional (neste caso não basta apenas criar vagas nas escolas e universidades ou mesmo novas estruturas, mas manter a qualidade de ensino e a estrutura existente), temas que Aznar apontou como essenciais para o desenvolvimento.

 

Avanços sociais e resistência

Aznar também abordou a importância de enfrentar os desafios da revolução tecnológica e de manter um equilíbrio nos valores sociais, especialmente no que se refere ao mérito e à responsabilidade individual. Em relação a isso, Lula tem sido um defensor de políticas de inclusão social e combate à desigualdade. Durante seus governos anteriores e no atual, ele promoveu ações que buscavam dar mais oportunidades aos mais pobres, embora frequentemente enfrentasse críticas por não fazer o suficiente em termos de reformas econômicas.

Bolsonaro, por outro lado, teve uma postura mais reativa em relação às questões sociais, especialmente em temas como direitos LGBTQIA+, políticas de igualdade racial e gênero. Durante seu governo, ele repetidamente atacou políticas de inclusão e direitos humanos, reforçando discursos de cunho homofóbico e racista. Um exemplo claro foi em abril de 2019, quando Bolsonaro declarou que “não deve existir dinheiro público para quem quer fazer ativismo de gênero” em relação à educação. Essas posições são vistas como um retrocesso nos avanços sociais, um ponto que Aznar também criticaria, dada sua defesa de valores democráticos e de um debate social mais equilibrado.

 

Quem se enquadra nas críticas de Aznar?

No contexto das críticas de José María Aznar, Jair Bolsonaro se encaixa mais diretamente nas preocupações levantadas, especialmente no que diz respeito ao populismo, à desinformação e aos ataques sistemáticos às instituições democráticas. Bolsonaro utilizou um discurso de constante confronto com o Judiciário, promoveu desinformação sobre o sistema eleitoral e adotou um estilo de governo marcado pela polarização e pelo ataque aos avanços sociais.

Lula, por outro lado, embora também populista em muitos aspectos, tenta adotar um discurso de reconciliação e restauração institucional, buscando a reaproximação com as instituições democráticas, embora seu governo também enfrente críticas por não implementar reformas estruturais profundas.

As críticas de Aznar sobre o populismo destrutivo e os ataques às instituições se aplicam com mais força a Bolsonaro, enquanto Lula, apesar de algumas tendências populistas, mantém um discurso mais alinhado com a defesa da democracia e do fortalecimento do Estado de Direito.

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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