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Se oriente, rapaz

Se oriente, rapaz
Reprodução

Durante dois anos esta coluna só falou de filmes, séries e tudo que envolvia o Cinema. A cada semana, películas sobre um tema :  futebol, racismo, viagens, medicina, jornalismo, política… ( estão todas em arquivo para quem quiser ler). Em março de 2020, com a chegada da Peste senti necessidade de escrever  sobre ela e suas conseqüências. Nasceram as “Crônicas em Quarentena”. Achei que iam durar pouco, mas a pandemia se estendeu.  Hoje, as crônicas falam de tudo e, desconfio, vieram para ficar. Mas, a coluna não perdeu sua essência que é a de falar sobre a Sétima Arte e seus afluentes. Boa leitura!

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Se oriente, rapaz

Não, hoje não estou dando bronca em ninguém, reclamando de quem não leva a pandemia a sério, nada disso. É que lembrei de uma música do Gilberto Gil que foi uma das trilhas sonoras da minha adolescência. “Se oriente, rapaz/pela Constelação do Cruzeiro do Sul/(…) Considere, rapaz /A possibilidade de ir pro Japão/Num cargueiro do Lloyd /lavando o porão/Pela curiosidade de ver /Onde o sol se esconde (…)//. Eu queria muito conhecer o mundo, mas o salário mal dava para pagar os estudos e ajudar no aluguel onde morava com mais seis pessoas da minha família. Época de dureza, grana nem para pagar o lanche no intervalo das aulas. Enfim, não estou aqui para chorar as pitangas, se não podem me acusar de mimimi. Atualmente a dor do outro virou manha.

Bem, voltando ao tema: na época eu tinha fascínio pelo Japão, influência de minha madrinha que lia a revista Seleções da Readers Digest. Conhecer os templos de Quioto e as cerejeiras em flor era um sonho, alimentado também pela canção de Gil. Quando eu passava pelos velhos navios internacionais atracados no porto da minha cidade, me imaginava pedindo carona. Meus planos não incluíam  lavar o porão, apenas descascar batatas.

O tempo passou sem que eu embarcasse num daqueles cargueiros enferrujados. E cá entre nós, nem seria prudente. Meu encanto pelo Japão foi diminuindo e se transferiu para outros lugares como Cuba, Itália e até Nova York, essa última acho que só para assistir os espetáculos da Broadway, não lembro bem.

Na vida adulta viajei menos do que gostaria, mas fui a lugares maravilhosos como Barcelona e Granada, na Espanha; Montevideo e Colonia del Sacramento, no Uruguai; Buenos Aires e Bariloche, na minha amada Argentina e finalmente, Roma, Veneza e várias cidades da belíssima Toscana.

Certa vez ouvi uma colega dizer que era um absurdo alguém usar o dinheiro economizado para viajar em vez de comprar um bom carro. A explicação dela era que viagem acabava e automóvel era um bem durável.  Ela se referia ao fato de eu ser pedestre, mas estava equivocada pois todos que amam viajar sabem que as lembranças duram mais que pneus e bateria. Recordações são eternas se a senilidade não pregar alguma peça na gente.

Nosso futuro é incerto. Não sabemos ainda quando vamos sair da quarentena, nem se o “novo normal” vai nos permitir o prazer de andar livres  por aí. Mas é bom já ir se orientando, rapaz, para aproveitar tudo o que o mundo tem a oferecer de maravilhoso. Nem que seja no Lloyd…

(Brígida De Poli)

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QUER FILMES SOBRE VIAGEM? TEMOS…

Na edição de 07/07/2018 o tema foi ” Viajando com o Cinema”. Você pode ler aqui.

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DICAS DA COLUNA

FILMES

MANK – direção: David Fincher- 2020- Original Netflix

Sinopse: A história tumultuosa de Herman J. Mankiewicz, roteirista da obra-prima icônica de Orson Welles, “Cidadão Kane” e sua luta contra Welles pelo crédito do texto do grandioso longa.

(Veja o trailer no final do artigo)

O FILME QUE VEIO PARA INCOMODAR NO OSCAR

Em “Mank” não tem uma única pessoa negra, não tem um oriental, não tem um transexual; se tem um homossexual, homem ou mulher, não dá para perceber; até porque o filme retrata uma época onde não havia espaço para essas minorias, e para esses indivíduos. Mas, para as novas regras hiper-democráticas de Hollywood, o filme de David Fincher nem deveria concorrer aos Oscar de 2021.

Fazia anos que não assistia um filme assim, grande, GRANDE filme, filmaço. Na minha opinião, deveria ganhar cinco ou seis Oscar : melhor filme ou melhor direção, um dos dois (não tendo assistido os concorrentes, vou deixar espaço para um ou o outro). Melhor fotografia: um maravilhoso preto & branco que me lembrou o “Touro Indomável ” de Scorsese — ou o “Cidadão Kane” de Orson Welles, do qual coloca-se como uma espécie de prequel.  Fincher aliás pediu para Eric Messerschmidt, que assina a fotografia, para que “Mank” pareça um rolo de “Citizen Kane” esquecido na estante. Os filmes em p&b, aliás, nos lembram o quanto as imagens em cor ficaram óbvias, e sem muito destaque a não ser em raros filmes de fotografia especial (Apocalypse Now, 300, Barry Lindon, Dick Tracy… )

Figurinos: a roupa dos anos 30 exalta a teatralidade e o glamour da época, a feminilidade da cintura fina das mulheres, a imponência dos homens nos ternos de dupla lapela.

Melhor ator: Gary Oldman, que gostaríamos de ver contracenar com o Orson Welles de verdade. Ele parece ter nascido para papéis de alcoólatra ou drogado. Encarna todo o conflito entre gênio e indisciplina, a tensão entre trabalho a prazo e vida desenfreada.

E melhor roteiro: esse seria um aspecto quase melodramático do filme e do Oscar eventual, já que o roteiro de “Mank”, que é um filme sobre o roteiro de “Citizen Kane” e uma celebração dos roteiristas em geral, foi escrito pelo pai de David Fincher, Jack, falecido em 2003. David proclamou que não quis mexer no roteiro do pai, mas fica claro que conviveu com o projeto durante tantos anos ao ponto de apropriar-se como se fosse uma criação sua: um estranho contraponto com a história do filme, no qual Orson Welles identifica-se com o roteiro de “Citizen Kane”… sem ter participado dele. Muitos consideram o “Citizen Kane” um dos maiores filmes da história do cinema, senão o maior, e, contudo, o único Oscar que conquistou em 1941 foi… o de melhor roteiro, que nem era, na verdade, do próprio Welles. Não estou incluindo o Oscar para as atrizes do filme, porque terá outras fortíssimas candidatas para o prêmio em 2021: de melhor atriz para Viola Davis com o “Ma Rainey’s Black Bottom”, e de atriz coadjuvante para Glenn Close (será que finalmente?), com o “Era uma vez um sonho”.

Uma consideração histórica e cultural: “Mank” é também uma celebração e uma lembrança devida de quanto o cinema em geral, e Hollywood em especial, devem aos judeus que emigraram da velha Europa para a Califórnia nos anos Vinte e Trinta, fugindo das persecuções nazistas: Louis B. Mayer (nascido Lazar Meier numa comunidade judaica na Ucrânia — como Clarice Lispector), Samuel Goldwyn (os dois, sócios fundadores da Metro Goldwyn Mayer), David Selznick (pais judeus da Lituânia), os irmãos Warner (a famosa Warner Bros. concorrente feroz da Metro), os Mankiewicz pai e filhos (Jack, Herman e Joseph), roteiristas e diretores de cinema, George Cukor, Fritz Lang, Stanley Kubrick e muitos, muitos outros.

(Roberto Cattani, jornalista e escritor – exclusivo para a coluna)

 

Ele tem mesmo os seus olhos – dir: Lucien Jean-Baptiste – 2017

Essa produção franco-belga faz rir, mas também pensar. Conta a história de um simpático casal negro ,Paul e Sali, que aguarda na lista de adoção, já que não podem ser pais biológicos.  Depois de longa espera são chamados para conhecer o bebê que pode se tornar o filho deles. A criança é adorável e eles se apaixonam logo de cara, mas tem uma questão: Benjamin é loiro de olhos azuis.A partir daí, enfrentam o preconceito da assistente social acostumada a ver famílias brancas adotarem crianças negras, mas não o contrário. Também os pais de Sali, senegaleses, não enxergam em Benjamin o herdeiro de suas tradições. Nas cenas finais há um pouco de ” sessão pastelão”, mas não chega a estragar o filme e a mensagem.

 

Tudo sobre minha mãe – direção:Pedro Almodóvar – 1999

Quem acompanha a coluna sabe que costumo chamar Almodóvar de ” o meu diretor vivo favorito”. E este é o meu filme favorito do meu diretor favorito! Para quem ainda não viu ou quer rever, o Telecine colocou no acervo uma série de clássicos.

A história mostra Manuela (Cecilia Roth), que vê seu único filho Estebán (Eloy Azorín) morrer atropelado no dia em que completava 17 anos. Devastada, ela vai a Barcelona à procura do pai de seu filho, uma travesti chamada Lola. Ela reencontra  uma velha amiga, Agrado (Antonia San Juan), também travesti, e uma jovem freira chamada Rosa (Penélope Cruz) que farão parte dessa busca na cidade da qual fugiu e para a qual retorna a fim de se encontrar.

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SÉRIES

The Undoing  – minissérie – 6 episódios – HBO

Já tinha falado sobre a nova série da HBO que traz Nicole Kidman e Hugh Grant nos papéis principais, mas só havia dois episódios disponíveis. Agora que ela está na íntegra no Now, volto a recomendá-la para quem gosta de um bom suspense. Um casal que parece ter a vida perfeita, o filho perfeito, uma bela casa e profissões glamorosas… até se envolver num crime violento. O mundo deles vira de ponta cabeça. Nicole desfila por Nova York com o figurino mais elegante que vi nos últimos tempos e convence no papel da terapeuta que ora duvida, ora acredita na inocência do marido. Donald Sutherland, sempre ótimo, interpreta o pai dela.

 

Quarto 2806- A Acusação – documentário– 2020 – Netflix

Essa minissérie conta a história do francês Dominique Strauss-Kahn, o homem que ocupava um dos cargos mais poderosos do mundo, a direção do FMI, e principal candidato a presidente da França, quando é acusado de estupro pela camareira do luxuoso hotel onde estava hospedado em Nova York. O documentário traz depoimentos da imigrante da Guiné atacada por ele, Nafissatou Diallou e de outras mulheres que tiveram problema semelhante no passado. O diretor Jalil Despert ouve também a polícia americana, jornalistas que cobriram o caso em 2011, os advogados de defesa e amigos de Strauss-Kahn para montar seu perfil e reconstituir o passo a passo do escândalo.

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INDICAÇÃO DO LEITOR

Jardim Celestial – 1 temporada – 30 episódios

Deborah Matte é quem recomenda essa produção, disponível na Netflix. Ela conta porque gostou da série.

“A série aborda com muita sensibilidade as relações humanas, a partir da história de uma família inserida numa pequena comunidade rural da Coreia do Sul.Diálogos essenciais, atores ótimos e uma fotografia encantadora fazem de “Jardim Celestial”     um refresco no meio de tanta violência. Ela nos leva a refletir sobre valores como amizade, dedicação, fidelidade, solidariedade e respeito, que andam tão esquecidos em tempos atuais”.

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BÔNUS

Mundo Ilha do Campeche – documentário– dir:Cláudio Felippio Jr.

O curta-metragem mostra uma das maravilhas naturais de Florianópolis, a Ilha do Campeche, local que possui também  inscrições rupestres do período pré-colonial.

Sinopse: O documentário apresenta a Ilha do Campeche, patrimônio paisagístico e arqueológico nacional, tombado pelo IPHAN no ano 2000. Sendo um dos principais destinos turísticos de Santa Catarina, a ilha possui atrativos que beneficiam diversos grupos humanos, cada um da sua forma. Diante desse cenário, uma reflexão que permeia o imaginário dos agentes que usufruem da ilha é: como podemos garantir um futuro sustentável para o nosso patrimônio?

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THE END

(*) Fotos reprodução/divulgação

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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