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Trabalho, pandemia e perspectivas

Trabalho, pandemia e perspectivas

A pandemia e a precarização das condições de trabalho, impactos na saúde, o trabalho e a sobrecarga com múltiplas funções, especialmente para as mulheres, são questões que têm sido discutidas em todos os debates do primeiro ciclo de seminários ” Futuro do Trabalho: Perspectivas Latino-americanas”, realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com sindicatos de trabalhadores de SC e do RS. O evento inédito, com participação de palestrantes do Brasil e de outros países, teve inscrições gratuitas e foi transmitido virtualmente todas as quartas-feiras desde 20 de outubro. O encerramento, com o seminário “OS TRABALHADORES E TRABALHADORAS REIVENTAM FORMAS DE ORGANIZAÇÃO “, será nesta quarta-feira (24/11).  

 

Nossa entrevista de hoje é com a Thais e a Carolina, integrantes da organização do ciclo:

 

Thaís de Souza Lapa, coordenadora do Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Carolina Rodrigues Costa , presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Trabalho Público e Sindicalismo (Fazendo Escola).

 

 

Thaís de Souza Lapa

 

Professora Adjunta do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina, onde é coordenadora do Laboratório de Sociologia do Trabalho (LASTRO). Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas – UNICAMP (2019), com estágio de pesquisa (doutorado sanduíche) realizado no Centre de Recherches Sociologiques et Politiques de Paris, equipe GENRE, Travail, Mobilités (CRESPPA, GTM, 2017). Mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP (2014) na área de concentração Sociologia do Trabalho. Pesquisa temas relacionados às áreas sociologia do trabalho e relações sociais de gênero e tem publicações áreas. Integra a Rede de Estudos Interdisciplinares Sobre Trabalho (RESIST) da UFSC.



Carolina rodrigues costa

Assistente Social com graduação e mestrado pela UFSC. Servidora Pública desde 2013. Secretária-Geral do SINJUSC, Presidente do Fazendo Escola, Coordenadora de Saúde dos Trabalhadores e Previdência da FENAJUD. Carolina fortaleceu sua militância política e sindical a partir da experiência como servidora pública atendendo a população. Como assistente social acompanhou a desagregação das políticas de Assistência Social pós-golpe de 2017, que tem reflexos diretos no cenário de fome e miséria que marca a realidade atual do País. Carolina entende que o espaço da formação e do pensamento coletivo são fundamentais para a construção de um projeto de sociedade que favorece os trabalhadores, em especial aqueles que se identificam em situação de maior vulnerabilidade.Entende que o mundo só muda com muita luta e consciência de classe.

 

 

1 – A pandemia acentuou desigualdades que já eram históricas no mundo do trabalho. Na sua avaliação, quais contribuições os debates realizados pelo ciclo internacional podem trazer para essa realidade na América Latina?

 

Carolina –  O momento político que estamos atravessando é crítico, os direitos dos trabalhadores têm sofrido ataques constantes e o esforço de resistir a estes acabam por absorver uma pausa dos sindicatos. É certo que uma postura de resistência se mostra como fundamental, mas nós precisamos ir além. Os trabalhadores, os sindicatos e como necessidade se organizar para construir um projeto de sociedade – e esta tarefa passa obrigatoriamente pela formação.

 

Thaís – O Ciclo Futuro do Trabalho: Perspectivas Latino-americanas como proposta, quando idealizado por nós do Lastro e da direção do CFH UFSC junto aos sindicatos do Fazendo Escola, visa colocar em cena um conjunto de debates caros ao entendimento das situações de trabalho na atualidade. Claro, falar da pandemia se tornou algo incontornável para examinar os mecanismos que constroem as formas de trabalho atuais, ainda mais atravessados por uma crise sanitária. Não foi ela que criou o desemprego, uma crise no trabalho, uma desproteção quanto aos direitoshistas, como mudanças tecnológicas como a plataformização nem como desigualdades de gênero e raça em termos de acesso e remuneração pelo trabalho. Não os criou, mas os agudizou.

Então, no Ciclo nos propusemos a reunir saberes para aprofundar o conhecimento sobre esses problemas, alguns decorrentes de longa trajetória, outros mais recentes, mas todos de algum modo afetados pela pandemia. Reunir tais saberes de pesquisadores de diferentes regiões do país e de outros países da América Latina nos permite a melhor dimensão como está o mundo do trabalho atual, em termos de gravidade dos problemas e inclusive mensuração de particularidades locais e dilemas comuns que partilhamos com nossos vizinhos. Com esse diagnóstico, podemos contribuir com a informação de resultados, já que reunimos uma série de instituições, como sindicatos e universidade, interessados ​​nas melhorias das condições e proteções do trabalho na atualidade.

  

2 – Sabemos que as mulheres têm sido bastante sobrecarregadas na pandemia, pois há um grande contingente que somou o trabalho em home office com as tarefas cotidianas dentro de casa. Quais as consequências dessa sobrecarga, segundo os debates?

 

Carolina – A sobrecarga das mulheres não é novidade. Nossa inserção no mercado de trabalho é fundamental para o sustento e bem-estar de nossas famílias, do mesmo jeito que a continuidade das atividades domésticas que sempre desenvolvemos também é. A vinculação das mulheres com o trabalho atualmente fala mais sobre exploração do que sobre autonomia e condições de desenvolvimento. A organização do home office, a partir da experiência da pandemia, aprofunda esta vivência da exploração. As mulheres precisam dar conta de uma série de atividades ao mesmo tempo, sendo cobradas e julgadas rigorosamente por seu desempenho em cada uma delas.A partir da atuação sindical, nós temos percebido um grande aumento dos adoecimentos entre as mulheres e entendemos ser urgente que a sobrecarga seja um ponto fundamental da discussão sobre saúde e também sobre a organização do trabalho.

 

Thais – Pudemos debater a sobrecarga ocasionada por novas obrigações, que passaram a ser exigidas de quem passou para o home office, com um monte de planilhas virtuais e outras formas aplicadas para “mensurar” o seu traballho. Pesquisas e experiências nos seminários relatam este aumento não somente da carga de trabalho, mas dos mecanismos de controle, mediados por recursos tecnológicos. Também houve extensão das jornadas, ao mesmo tempo que isso separou as fronteiras com os tempos de descanso. Recebimentos de mensagens a qualquer dia e horário foram ficando normalizadas, assim como a expectativa de que se responder prontamente, mesmo que fora do horário de expediente.

 

Aumentou o percentual de adoecidos pelo trabalho, sobretudo adoecimentos relacionados ao sofrimento psíquico – por conta das pressões pelo trabalho e ausência de condições para sua realização. Este borramento de tempos e espaços do trabalho tem um forte agravante quando se trata das mulheres, especialmente como filhos: para as mulheres, a qualidade de vida piorou, enquanto para os homens melhorou, ao realizar home office na pandemia.

 

Isso porque espera-se que elas, quando trabalham em casa, sempre estejam mais disponível para o trabalho doméstico e de cuidados, fazendo com sejam muito mais interrompidas por demandas familiares do que os homens. Quando se soma o “trabalhar mais” no trabalho remoto a esta carga de trabalho dedicado à casa, não é de surpreender a incidência de tantos adoecimentos entre trabalhadoras. O fenômeno da intensificação do trabalho tem um caráter particular quando estamos falando das mulheres, porque temos ambas as jornadas a considerar.

 

3 – E há quem não pôde realizar seu trabalho em home office, tendo que enfrentar transporte público, lugares lotados, ficando mais vulnerável na pandemia. Como têm sido essa discussão nos seminários?

 

Carolina – Esta discussão está presente em todas as mesas. O Ciclo de Seminários trata de temas como uberização, saúde, desigualdades no mercado de trabalho e também políticas econômicas. O número de brasileiros desprovidos de qualquer direito, que deve colocar a própria vida em risco para garantir o alimento de sua família tem aumentado a cada dia e nós precisamos ter o entendimento de que esta situação decorre de escolhas políticas.

 

Os sindicatos, as universidades, precisam fazer um movimento de fortalecimento das bases, incluindo aqui os trabalhadores informais e não-trabalhadores. É preciso ouvir estas pessoas.Não podemos cair no modelo de “eu falo e vocês escutam e seguem”. É preciso acolher, olhar a realidade dos trabalhadores e fazer o trabalho de base a partir disso e não de uma realidade “inventada” dentro de uma sala de reunião de diretoria de sindicato ou de artigos científicos.

 

Thais –  A maioria das pessoas do Brasil teve que trabalhar fora de casa, essa é a realidade. Poucos / as tiveram a possibilidade de guardar distanciamento social fazendo home-office, que seria o mais adequado já que houve tanta demora para iniciar a vacinação no país. Esta maioria, que alguns chamam de “STREET OFFICE“, foi colocada em condição de vulnerabilização, sem nem critérios de prevenção. E mesmo que garantidos dentro do local de trabalho, não havia essa proteção nos deslocamentos.

 

Então, temos um contingente enorme de pessoas que foram expostas, como foi evidenciado em nossos debates com o exemplo dos entregadores por aplicativo, entre outros trabalhadores por plataforma, que acabaram garantindo a condição de home office de uma pequena minoria, enquanto eles estavam expostos à contaminação por covid. Tamanho foi o impacto em seu trabalho, sobredemandado e subremunerado, que chegou a haver articulações e manifestações de entregadores, reivindicando (e conquistando em parte) uma série de melhorias cotidianas em suas condições de trabalho.

 

As trabalhadoras de restaurantes que preparam boa parte dos alimentos entregues via delivery, cuja demanda aumentou na pandemia, também foram lembradas como parte do contingente vulnerabilizado e exposto a risco de contaminação no período.

 

 

 

4 – Qual a importância desse ciclo de debates se estabelecer entre Universidade e sindicatos? Já é possível apontar caminhos para uma nova realidade às trabalhadoras e trabalhadores?

 

 

Carolina – Universidade e sindicatos conseguem fornecer a experiência um do outro para avançar na luta política e na construção de projetos alternativos de sociedade – especialmente em tempos de avanço da extrema-direita aliada ao ultraneoliberalismo. O caminho está na construção de espaços amplos de debate que agreguem as diferenças, tendo como ponto de união uma justa identidade comum aos trabalhadores.

 

 

Thais – Os caminhos não estão delineados, mas acreditamos que estamos construindo processos de mudança. Também acreditamos na importância do processo. A articulação e soma de saberes, energias e disposição de mudança entre diferentes instituições preocupadas com o futuro do trabalho e especialmente de quem o realiza tem se especificado em um processo muito rico.

 

Organizar tal seminário é promover um avanço coletivo na compreensão dos problemas, que é um pressuposto para avançarmos também de forma coletiva. Enquanto universidade pública e sindicatos, sobretudo de trabalhadores em instituições públicas, temos um compromisso com a sociedade, com a função social do conhecimento, com “devolver” em alguma medida, com diagnósticos consistentes e propostas, o investimento público que se faz nas instituições em que atuamos.

 

Falando enquanto universidade, é nosso papel ser ponta de lança deste tipo de iniciativa, de agregar, de pensar o que pode ser diferente e melhor e como. Isso também é papel da ciência, ela tem uma função social. Por isso, e em razão de vivermos um contexto difícil, de retirada de direitos de quem trabalha, de crise econômica piorada por uma crise sanitária, de descrédito dos saberes científicos, que se torna fundamental não só debater as questões, mas formular, propor.

 

Reunir as experiências de competência de direitos, fortalecer laços de solidariedade entre setores laborais distintos, sair da perspectiva individualista para resolver os problemas que vivenciamos no trabalho, tudo isso faz parte das soluções que temos debatido e que desejamos aprimorar.

 

 

5 – Sobre o trabalho e as vulnerabilidades enfrentadas pelas chamadas minorias, quais as questões nós, como sociedade, devemos discutir e rever com urgência?

 

Carolina – De imediato: racismo e machismo. As questões de raça e gênero precisam ser enfrentadas se quisermos, de fato, construir um novo projeto de sociedade. Os sindicatos, universidades e demais instituições voltadas para um processo transformador precisam estar inseridos nos espaços periféricos e se reinventar nas formas de organização, inclusive na disputa com neopentecostais e com a visão individualista de que cada um resolva seus problemas.

 

 

Thais – É preciso enfrentar distorções de todo tipo para encarar a realidade dos problemas de frente. Por isso o conhecimento científico socialmente comprometido é tão importante. Vivemos em tempos nos quais, antes de mais nada, precisamos reafirmar que fome, que desemprego, que racismo, que machismo existem, pois há quem os negue ou os relativize.

 

Além deste ponto que é o mais básico, precisamos avançar no entendimento de que debater a situação de quem trabalha, especialmente em situação mais vulnerável ou desprotegida, é um problema de todos, que nós enquanto sociedade precisamos nos importar em conjunto não só conosco e com o hoje, mas como estaremos resguardados no futuro, quando não houver condições físicas de trabalhar, se não tivermos uma aposentadoria, por exemplo.

 


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