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Destaque da semana: Arte, desafios e responsabilidades – por Francine Goudel

Foto Rogério Goudel

Natural de Florianópolis, Francine Goudel é a curadora-chefe do Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, inaugurado em julho, no bairro Coqueiros, em Florianópolis. Nossa entrevistada de hoje é doutora em artes visuais – teoria e história, pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), mestre em estudos avançados em história da arte pela Universidade de Barcelona (UB), Espanha, pós-graduada em gestão cultural pela Universidade Nacional de Córdoba (UNC), Argentina, e graduada em educação artística – artes plásticas pela Udesc.

  

Nesta nova atuação iniciada em 2021, Francine coloca em prática a pesquisadora, curadora, produtora cultural e professora, dona de um currículo de múltiplos direcionamentos e focos. Ela é também a atual tesoureira da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), na gestão 2022-24 e, desde 2016 participa do grupo de pesquisa História da Arte: Imagem-Acontecimento (CNPq/Udesc).

Na pesquisa desenvolve investigações e textos sobre gestão, sistema e história das artes visuais de Santa Catarina. Em 2020 publica a tese “O Sistema das Artes Visuais em Florianópolis”, um estudo inédito que detalha o modo de produção, circulação, validação e consumo do objeto artístico na capital catarinense. Entre 2020-21, esteve à frente da diretoria de artes e cultura da Fundação Catarinense de Cultura (FCC).

Neste papo exclusivo, coordenada pela jornalista Néri Pedroso, Francine Goudel comenta os desafios do futuro diante da Coleção Collaço Paulo. No papel de curadora-chefe seu maior desejo é ajustar os interesses do casal de colecionadores – Jeanine e Marcelo Collaço Paulo, consolidar os objetivos e as narrativas curatoriais que possam sensibilizar amplamente o público.

“Por meio dos artifícios da expografia, que o conjunto das obras seja sempre um substrato para que as pessoas, com ou sem qualquer bagagem nos caminhos da arte, possam exercitar o olhar e refletir sobre o mundo”, diz ela.

Francine diante de “Menina Espanhola de 1600” (1881), de Pedro Américo – Foto Rogério Goudel.

 

 

Desafiada a fazer uma fazer uma síntese de sua biografia, o que escreveria?

Francine Goudel – Nativa da Ilha de Santa Catarina, neta da dona Nilda e mãe da Sofia. Historiadora de arte por paixão, curadora pelos caminhos do ofício, produtora cultural por vontade de organização. Segue fazendo!

Como as artes visuais entram em sua vida? Onde está a primeira conexão

Francine – Difícil dizer como as artes visuais entraram na minha vida. A primeira conexão em si não saberia dizer, mas talvez possa aproximar pistas do que hoje considero experiências que tocam as artes visuais. Lembro de ter na sala de casa uma reprodução de uma obra do Gauguin (“A Sesta”, 1894). Descobri quem era o artista muito tempo depois, mas por um bom período da infância eu achava curiosa a tela, pensava na vida daquelas meninas que repousavam ali em conjunto na cena e imaginava o rosto da mulher principal que está de costas na composição. Lembro que senti uma dorzinha, tipo saudade, quando minha mãe jogou o quadro fora por estar velho, com um mofo persistente e uma moldura puro cupim.

Apesar de ter sido criada pela minha mãe e ter mais contato com a família materna, lembro que meu pai, tios e avô paterno desenhavam e pintavam muito bem. No ensino fundamental, no Instituto Estadual de Educação (IEE), em Florianópolis, tive uma professora de arte que marcou muito o meu processo de ensino. Ela organizava propostas para fazermos conexões entre imagens, textos e conceitos simples.

Mais tarde, já com 20 anos, trabalhando como secretária em um consultório odontológico, resolvo fazer um curso de história da arte e lá um mundo se abre. Eu descubro quem era o pintor da reprodução da sala, encontro as referências de muitas imagens, faço outras conexões e entendi o gosto por essas aproximações, foi ali que decidi seguir esse estudo como carreira.

Como recebeu o convite para ser curadora-chefe da Coleção Collaço Paulo?

Francine – O convite surgiu no fim de 2021. O Dr. Marcelo Collaço Paulo estava em busca de uma pessoa para cumprir a função de curadora da coleção, pois estava organizando a ideia de propor exposições a partir da coleção e também já tinha o desejo de em um futuro breve abrir um centro de arte e educação. Ao angariar informações com os seus colegas e conselheiros, ele chega ao meu nome e justo na ocasião eu estava saindo da diretoria de arte e cultura da FCC. Fizemos uma reunião por vídeo, na qual ele explicou os anseios públicos da coleção particular e eu prontamente aceitei o convite.

Quais as primeiras impressões no contato inicial com a coleção? Uma coleção de caráter privado, qual é o maior desafio desta tarefa?

Francine – A primeira impressão quando conheci algumas obras da coleção foi: que privilégio poder ver isso seguidamente. Como apreciadora, frequentadora e principalmente pesquisadora, sempre desejei muito ter perto de casa espaços com obras significativas sobre a nossa história. Tive a oportunidade de morar em cidades que me proporcionaram isso, mas estando em Florianópolis esse desejo sempre foi latente, apesar de termos acervos públicos relevantes.

No entanto, acredito que o Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação instaura uma nova configuração de acesso à arte na cidade e nessa perspectiva seremos todos agraciados.

Ainda sobre as impressões, as seguintes sensações passaram a ser sobre a responsabilidade de encarar o desafio que seria estudar e transformar em leitura a complexidade dos tempos, escolas, materialidades e autores que estão embutidos na coleção. Além disso, é também um grande estímulo. Outros desafios passam por estar sempre tencionando os limites da coleção privada, no exercício de desenvolver formatos de tornar a obra pública, ainda assim resguardando as perspectivas de uma família que tem carinho e cuidados por peças colecionadas há mais de 40 anos.

No papel de curadora-chefe, qual é o seu maior desejo?

Francine – Meu maior desejo, e que de certa forma tem sido o que venho formulando como objetivo para estar no foco das narrativas curatoriais do Instituto, é conseguir tocar uma amplitude de público.

Desejo, como escrevi no trecho final do texto da primeira exposição – “Mais Humano: Arte no Brasil de 1850 a 1930” -, que o conjunto de obras, por meio dos artifícios da expografia, seja sempre um substrato para que as pessoas, com ou sem qualquer bagagem nos caminhos da arte, possam exercitar o olhar e refletir sobre o mundo.

Penso que propor um conjunto de obras e colocá-lo em mostra, objetivando leituras, não é fácil. Busco com essa tarefa uma abordagem que facilite as leituras do conjunto, em seu tempo e na contemporaneidade.

Mostra “Mais Humano” – Foto NProduções

Há na coleção artistas preferidos?

Francine – A cada novo estudo surgem novos artistas preferidos. Tenho estado muito sensibilizada com Elke Hering (1940-1994), Rodrigo de Haro (1939-20210 e com alguns artistas que estão em mostra no momento. As obras de Weingartner e Bruggemann têm sido pontos de interesse para mim ultimamente, mas todos os dias admiro, com ternura, as telas da Georgina de Albuquerque e a natureza-morta potente de Estevão Silva.

O que mais sensibiliza nas particularidades das representações da mostra “Mais Humano: Arte no Brasil de 1850 a 1930”?

Francine – Inúmeras são as sensibilidades provenientes desta exposição. A primeira questão que eu poderia destacar é mais ampla e toca um item sensível abrangente. Muitas obras não foram expostas aqui, nem sequer existem como iconografia na internet. Estamos tendo acesso a imagem delas por meio desta mostra. Isso é um fator bem interessante do colecionismo privado, as obras passam de famílias em famílias, durante longos anos e em certo momento vêm a público.

Segunda e principal questão é a da humanidade. Nas particularidades das obras podemos ver como as composições representam as figuras em suas humanidades, capturando expressões, inserindo cenas de fundo para contextualizações ou dando pistas nas vestimentas e poses. Nos detalhes da montagem da exposição (expografia) também é possível encontrar a humanidade do artista que representa a obra, ver uma foto dele, ler a biografia e imaginar contextos.

Por seu caráter didático, mostra “Mais Humano: Arte no Brasil de 1850 a 1930” adota cores diferentes entre os espaços expositivos – Foto NProduções

Quais as particularidades formais e temáticas que ressalta nesta primeira curadoria?

Francine – Tendo em vista o que mencionei anteriormente, sobre o foco das narrativas curatoriais do Instituto Collaço Paulo ser o desejo de conversar com um amplo público, a mostra “Mais Humano: Arte no Brasil de 1850 a 1930” buscou em diversas frentes alcançar esse objetivo.

Ela é um recorte de um período histórico, mas não coloca uma ênfase na leitura histórica. A construção conceitual parte das imagens das obras em que, no agrupamento das feituras semelhantes, ganha-se condensação de leitura. É assim que surgem as cores das paredes, a separação dos ambientes pelo que chamei de eixos de exploração, numa ideia de entrar em uma jornada para ver imagens, achar semelhanças, diferenças, particularidades e sensibilidades que toquem quem se aventura.

São seis ambientes, sendo cinco deles divididos por gêneros artísticos e um delimita o ponto de princípio e fim da exposição. A primeira sala, em tom amarelado, abriga o eixo “Personas & Personagens” que compõem um mosaico de retratos, gênero que aparece em pequenos e grandes formatos. A sala rosa, “Alegorias do Sensível – Nueza e Nudez”, agrupa obras que expõem o modo de representar corpos de homens e mulheres. O centro, em azul claro, destina-se ao “Costumário” e as cenas de costumes. Uma parede nesse mesmo espaço está pintada de cinza claro e delimita o eixo “Ainda-vive” das naturezas-mortas. As paisagens ficam na sala verde, reunidas sob o título “Demorar no Horizonte”. Todos esses recintos trazem um texto que contextualiza a feitura e provoca uma reflexão na contemporaneidade sobre os aspectos mais humanos muito além das literais figurações.

Conceito curatorial da exposição inaugural chama a atenção para amplas questões sobre a natureza humana – CR2 Fotografia

Como têm sido os primeiros dias de vida do Instituto?

Francine – De muita atenção aos visitantes, mas também de muito trabalho, ajustes e planejamento. Em pouco mais de 20 dias de funcionamento recebemos mais de 500 pessoas, um público não só proveniente de Florianópolis, mas de outras cidades do Estado como Criciúma, Chapecó, Joinville, Jaraguá do Sul, São Joaquim, e de fora de Santa Catarina, como Curitiba, São Paulo, Porto Alegre, Belém, Salvador e outras. O núcleo educativo já está com o calendário aberto para os agendamentos de visitas mediadas e ações educativas para turmas escolares ou grupos focais, e estamos com uma perspectiva de um mês setembro bem intenso neste sentido.

O que pode adiantar sobre o planejamento de trabalho?

Francine – O Instituto Collaço Paulo vem sendo pensado já há algum tempo. Em primeira instância a família começa a construir esse projeto no desejo de viabilização e, ao entrar, logo começo a modelar e colaborar para colocar as ideias em prática. A estrutura física foi pensada aproveitando um imóvel que já era da família, e a estrutura conceitual, apesar de ter uma modelação, se estrutura também no dia a dia do funcionamento do espaço.

Há nesse planejamento um ponto bem claro a todos, que o Instituto se propõe a ser, através da promoção das mostras de arte da Coleção Collaço Paulo, um espaço fomentador de projetos sociais, educacionais, de formação de público, de possibilidades de fruição e reflexão. Neste sentido temos programado um calendário que, depois do fim da exposição “Mais Humano: Arte no Brasil de 1850 a 1930”, terá outras de quatro a seis meses de duração. A próxima abre em fevereiro, com data ainda a confirmar, será dedicada ao artista Martinho de Haro (1907-1985) e na sequência uma mostra da artista Elke Hering.

Já no planejamento do núcleo educativo, além dos ações e materiais para as escolas um programa de ações públicas vem sendo modelado ainda para este ano, que abrangerá palestras, encontros, cursos, entre outras atividades. Também estamos para lançar um clube de colecionadores, que terá coordenação de Ylmar Correa Neto.

O que destaca no sonho da experiência social expresso na constituição do instituto?

Francine – Toda exposição de arte tem uma vontade social. Ela tem um propósito de colocar ali em mostra para um coletivo um entendimento de passado ou de presente na vontade de fortalecer uma ressignificação de futuro. Pensando dessa forma entendemos que o Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, uma entidade privada sem fins lucrativos, já nasce com esse propósito social.

No entanto, é importante destacar o caráter educativo a que se propõe a instituição. O sonho, eu diria que agora passa em imaginarmos todos os projetos educativos em marcha, conectando os grupos que precisam, que querem e que serão tocados de alguma forma. O sonho passa em imaginarmos uma avaliação lindamente positiva de toda essa empreitada, ainda mais buscando desempenhar seu caráter educativo.

É importante também destacar o corpo social que vem organizando e executando tudo isso. Primeiro a tarefa de gerir uma instituição cultural, Dr. Marcelo Collaço Paulo como diretor-presidente e Jeanine Godin Paulo como vice-presidente, com ajuda dos atentos e queridos conselheiros do instituto: Ylmar Correa Neto, Sandra Makowiecky e Diocele Palma.

Depois, uma equipe de trabalho dedicada, Cristina Maria Dalla Nora que é museóloga e cuida da coleção, Joana Amarante, coordenadora educativa que recebe os grupos e escolas, Néri Pedroso, produtora de conteúdo e comunicação, Sara Beatriz Fermiano, a restauradora e Júlia Bayer Heidmann, responsável pelo atendimento ao público.

Há ainda outros profissionais que auxiliam, Flávio Xanxa Brunetto na montagem das exposições, Christian Fogaça no apoio técnico, Gisele Dal-Bóe e Raquel Paulo de Souto Gourlart, no administrativo, Lauro de Albuquerque Bello Netto no jurídico, Valmir Tidres, Waldir José Schneider, Adriano Lessa, Renato Elizeu da Silva, Francisco Barbosa de Araújo, no apoio logístico, Inara Rodrigues na arquitetura.

No batente, Francine com Flávio Xanxa Brunetto, nome de referência em montagens de exposições em Florianópolis – Foto NProduções

O sonho agora passa em imaginarmos todos os projetos expositivos e educativos em marcha, recebendo, conectando os grupos que precisam, que querem e que serão tocados de alguma forma. O sonho passa em imaginarmos uma avaliação lindamente positiva de toda essa empreitada.

 

 

Drops

O que é imprescindível: vontade.

Um desejo recorrente: diminuir o ritmo das informações.

O que mais fascina na história da arte:  que a imagem, mesmo impregnada de incertezas, suscita uma análise ao longo dos tempos.

Corre para ver o quê: um amigo expor.

Um ídolo: Muitos! Victor Meirelles é com certeza um deles.

Modéstia à parte: eu adoro uma organização.

Elegância: educação.

Florianópolis: pertencimento.

Infância: com o mar presente.

Palavra: tempo.

Uma frase (citação): “A história da humanidade é sempre a história de fantasmas e imagens, porque é na imaginação que tem lugar a fratura entre o individual e o impessoal, o múltiplo e o único, o sensível e o inteligível, e, ao mesmo tempo, a tarefa da sua recomposição dialética”. AGAMBEN, 2012

Na pandemia eu … escrevi uma tese.

 

SERVIÇO

O quê: Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Cultura, exposição “Mais Humano: Arte no Brasil de 1850-1930”

Quando: Até 21 de janeiro de 2023, segunda a sábado, 13h30 às 18h30

Onde: Rua Desembargador Pedro Silva, 2.568, bairro Coqueiros, Florianópolis (SC), Brasil

Quanto: Gratuito

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