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RELENDO A PANDEMIA – II

RELENDO A PANDEMIA – II

Continuo relendo as “Crônicas em Quarentena”, escritas durante o auge da pandemia do coronavírus, quando senti necessidade de colocar no “papel” os sobressaltos e a estupefação diante de algo tão assustador. Fiquei de olho – e também de ouvido – nas alterações do nosso cotidiano. Uma delas foi a mudança dos sons que vinham da rua. A diminuição de carros circulando trouxe um raro silêncio às grandes cidades. Isso foi uma benção para ouvidos humanos e outras espécies, como o sabiá-laranjeira, que pôde voltar a chamar a fêmea à luz do sol. Durou pouco, logo os motores e as buzinas voltaram a abafar o canto amoroso do pássaro, que voltou a ser notívago.

Também já não ouço mais o sino da igreja, nem o galo, nem o vizinho que toca saxofone. Entre o silêncio e o tumulto, as perdas e ganhos, dou graças a Deus e à ciência por ter sobrevivido. Tudo voltou ao que era antes. Ou quase.

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O SOM AO REDOR

Para quem está em isolamento social, a pandemia mudou também o som que vem da rua. Embora o prédio onde moro não seja próximo à avenida principal, sempre escutei o intenso barulho do trânsito. À noite, vinha aquele rumor da Via Expressa, como um bicho que ruge. Com o começo da quarentena e a diminuição do número de carros em circulação, cessou o barulho dos motores.

Esse bem-vindo silêncio trouxe outra alegria: o canto dos passarinhos ficou mais audível. As árvores frutíferas das casas ao lado do condomínio garantem um revoar constante nas bananeiras e mamoeiros. Bem cedinho da manhã já se ouve o bem-te-vi. Lembrei de uma querida amiga que sempre reclama do barulho dos sabiás em época de acasalamento. Nas cidades grandes, eles cantam de madrugada e bem alto, chamando a fêmea. Acabam perturbando o sono dos moradores. Em São Paulo quase virou caso de polícia.

Como o sabiá, essa gracinha do papo laranja cantado em prosa e verso, se tornou o inimigo público número 1 dos insones urbanos? Oh, surpresa, a culpa é … dos humanos! Fizeram um estudo sobre o horário do canto do sabiá-laranjeira na capital e nas cidades do interior.  A conclusão: são notívagos nas grandes cidades, diurnos nas pequenas. O motivo óbvio: poluição sonora! Para serem ouvidos pelas “pretendentes”, os sabiás passaram a cantar à noite.

Talvez este ano os pássaros possam chamar a companheira à luz do sol também na grande cidade e minha amiga possa dormir em paz. Isso não significa que eu deseje o prolongamento ad eternum  do isolamento social, mas o mundo poderia reavaliar uma porção de coisas, principalmente em relação à natureza.

Enquanto a quarentena não termina fico aqui apurando o ouvido para sons longínquos, antes imperceptíveis. Agora escuto o sino da igrejinha lá do final do bairro: sei quando é meio-dia e seis da tarde. Alguém toca saxofone no outro edifício, uma mulher cantarola, uma criança ri. Ouço até um galo citadino cacarejar a qualquer hora do dia.

Gostaria de terminar essa crônica dizendo que o som ao redor é 100% maravilhoso em tempos de confinamento, mas acabo de ouvir um vizinho gritar palavrões para o filho adolescente que não arrumou o quarto. Outro morador decidiu reformar o apartamento durante a pandemia e a serra elétrica não para.

Os passarinhos estão se comportando bem, já os humanos… Coloco os fones e vou ouvir Eric Satie, enquanto escrevo.

(Brígida De Poli – 20/06/2020)

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