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Um alerta antigo para um problema real e cada vez mais frequente: o desastre climático em SC revela abandono e obras de mitigação atrasadas

Foto: Itajaí registrou 150mm /Crédito: Coredec/Itajaí.

Nesta quinta-feira, 16 de janeiro, Santa Catarina foi atingida por chuvas extremas causadas pela combinação de circulação marítima e chuva orográfica — fenômenos que ocorrem quando ventos úmidos vindos do oceano interagem com o relevo acidentado do estado. Até o final da tarde, os acumulados chegaram a 305 mm em Tijucas, 270 mm em Florianópolis (Santo Antônio de Lisboa), 138 mm em São José, 131 mm em Balneário Camboriú e 103 mm em São João Batista, segundo a Epagri-Ciram. Esses volumes, acima da média esperada para janeiro, causaram alagamentos, deslizamentos e danos em diversas cidades.

Enquanto milhares de pessoas enfrentam perdas materiais e emocionais, um dado revela a diferença entre os discursos e a prática da gestão pública: 100% das obras de mitigação de enchentes em Santa Catarina estão atrasadas ou paradas, de acordo com dados da Federação das Indústrias de SC (FIESC). Os eventos climáticos extremos mostram a necessidade de ações preventivas e investimentos em infraestrutura, enquanto pontos críticos continuam sem soluções concretas.

 

Santa Catarina Alerta: ações pontuais salvam vidas

Um avanço importante foi o uso do sistema Santa Catarina Alerta, que enviou notificações meteorológicas para celulares nas áreas mais atingidas, como Governador Celso Ramos, Tijucas, Canelinha, Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu. Os alertas, emitidos entre 13h e 15h, orientaram a população sobre o agravamento das condições climáticas. Apesar de eficaz em emergências, esse sistema não substitui a necessidade de infraestrutura preventiva.

Mas, desta vez, não houve alerta antecipado, exceto para Joinville que recebeu o alerta na manhã de quinta-feira. O mapa de chuvas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) já indicava, às 9h20 da manhã, alerta laranja para o litoral de Santa Catarina, com possíveis áreas de perigo ou grande perigo, incluindo a região da Grande Florianópolis, conforme mostrado na imagem (a seguir). Para Florianópolis, o alerta da Defesa Civil chegou às 14h55, quando a tragédia já estava em curso, e o alerta do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) para a Capital foi publicado somente às 16h51, com o caos já instalado. Mesmo com os alertas, a “previsão” subestimou a intensidade e o volume das chuvas.

Alertas emitidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia  – INMET para Santa Catarina e Para Florianópolis em 16.01.2025.

Não se trata de apontar falhas — já que o desastre continua em curso —, mas de compreender que os sinais da emergência climática não podem mais ser negligenciados ou minimizados. O atraso em relação ao alerta emitido pelo INMET (às 9h20) agravou ainda mais a situação, aumentou os prejuízos e isso reforça a necessidade de revisão de estratégias de comunicação e prevenção.

Daqui para frente, se nenhuma medida for adotada — como a revisão de instrumentos como o Plano Diretor nos municípios mais vulneráveis a desastres ambientais e climáticos —, a situação tende a se agravar. A margem de segurança precisa ser ampliada, e os alertas, mesmo os considerados “sutis”, não podem mais ser ignorados ou passar despercebidos. Vale destacar que alertas alaranjados ou vermelhos, como os emitidos, são sinais claros de problemas sérios e exigem atenção imediata de gestores públicos e da população.

 

A crônica de uma tragédia anunciada

Santa Catarina tem um histórico de desastres climáticos severos. Entre 1991 e 2022, o estado acumulou R$ 32,5 bilhões em prejuízos, sendo 92% relacionados a enchentes e enxurradas, conforme dados da FIESC. Deste total, mais de R$ 2,6 bilhões referem-se a prejuízos somente na indústria, diretamente impactada por enxurradas e inundações. Promessas de mitigação, no entanto, continuam no papel. Barragens como as de Botuverá e José Boiteux, fundamentais para a prevenção de enchentes, permanecem sem plena funcionalidade. Rodovias estratégicas, como a BR-280, enfrentam deslizamentos frequentes, elevando custos logísticos e prejudicando o transporte de bens. A infraestrutura portuária, incluindo o Complexo de Itajaí, sofre com paralisações que impactam o comércio exterior, entre outros problemas.

Especialistas apontam que os alagamentos em cidades como Florianópolis, Tijucas e Balneário Camboriú refletem erros históricos na gestão territorial, como a ocupação desordenada de áreas de preservação permanente, impermeabilização excessiva do solo e falta de drenagem adequada. Urbanização sem planejamento adequado ignorou as características geográficas e climáticas, agravando os impactos das chuvas intensas. É urgente revisar políticas urbanas e adotar soluções sustentáveis que priorizem a prevenção de desastres.

 

O custo humano e econômico da falta de planejamento

As chuvas intensas de 2024 desalojaram milhares de famílias, interromperam atividades produtivas essenciais e causaram prejuízos bilionários e outros eventos ao longo da história. Agora, em 2025, o cenário se repete e evidencia uma gestão pública mais reativa do que preventiva. Enquanto os mais vulneráveis sentem o peso do abandono, setores importantes como sofrem perdas devastadoras. A falta de planejamento e a resposta inadequada dos gestores públicos refletem uma gestão que prioriza discursos de ocasião em vez de soluções práticas.

Afinal, como fazer fotos e ganhar likes por um desastre que foi evitado? O verdadeiro trabalho de prevenção muitas vezes não recebe visibilidade, mas é essencial para salvar vidas, manter a estrutura logística e assegurar um futuro sustentável.

Apesar dos recursos financeiros limitados, é fundamental que ajustes nas contas públicas sejam realizados para garantir o uso eficiente do dinheiro em obras essenciais. Concluir barragens, drenagens urbanas e sistemas de contenção dentro de prazos rigorosos, com fiscalização transparente, deve ser prioridade absoluta.

É necessário ampliar investimentos por meio de parcerias com o governo federal, organismos internacionais e o setor privado para financiar projetos de infraestrutura hídrica e prevenção. A adoção de soluções sustentáveis, como reflorestamento, drenagem urbana natural e contenção de águas pluviais, é fundamental para uma estratégia integrada.

Plano Diretor de Florianópolis
Foto: Manifestação popular – Plano Diretor Participativo para Florianópolis / Crédito: divulgação.

Planos diretores que priorizam a construção civil em detrimento da legislação ambiental, como ocorreu em Florianópolis, precisam ser revistos para evitar tragédias futuras ainda mais intensas. A gestão urbana deve ser orientada pela Constituição e pelas leis ambientais, respeitando a sustentabilidade e a segurança.

A nova norma sancionada pelo Governo de Santa Catarina, que agiliza obras de defesa civil e permite intervenções urgentes em áreas fluviais, é um passo positivo. A possibilidade de aproveitar economicamente o material retirado dos rios durante as operações de dragagem e a priorização do licenciamento ambiental para ações preventivas são medidas que podem trazer resultados rápidos e eficazes, porém precisam ser acompanhadas de perto para garantir a transparência e eficácia das ações.

 

O tempo está esgotando e os prejuízos se agravam

Santa Catarina, um dos estados mais produtivos do Brasil, está à beira de comprometer seu papel estratégico e sua resiliência devido à inação diante das mudanças climáticas. As tragédias recentes devem servir como um grito de alerta para todos os gestores públicos, das prefeituras ao Congresso Nacional: a população não pode mais esperar.

Os sinais da natureza são claros e urgentes. As enchentes, deslizamentos e perdas humanas não dão espaço para atrasos, discursos vazios ou políticas de curto prazo. Apenas com ações coordenadas, planejamento efetivo e investimento contínuo será possível proteger vidas, preservar o patrimônio e garantir um futuro seguro para as próximas gerações. O momento de agir é agora.

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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