Meus dois Franciscos
Diante de acontecimentos recentes, do noticiário que nos mostra a barbárie cotidiana, das demonstrações de falta de empatia com o sofrimento alheio, me descubro profundamente decepcionada com a humanidade. Vem-me sempre à cabeça a frase de Guimarães Rosa: Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?
Meu antídoto para esse desejo de “desembarcar” da raça humana – e pedir cidadania entre os felinos, talvez – é pensar nos seus representantes que admiro. Dois me vêm à cabeça. Tive a alegria de assistir há pouco o espetáculo Que tal um samba? de Chico Buarque. Lá estava eu, na primeira fila, vendo novamente aquela seleção de canções maravilhosas que embalaram minha vida desde menina. Agora, nós dois de cabelos brancos, Chico e eu. Mas, a emoção é a mesma de uma alma jovem e renovada. Minha admiração por ele abrange também o fato dele nunca ter se furtado de dar “a cara pra bater” diante dos problemas do país. Em uma das poucas falas no show, Chico relata que já foi chamado de várias coisas desabonadoras e acusado até de ter comprado músicas. Ele ri quando conta. Só rindo mesmo. Sabe que essa ira vem da dita “polarização política”. Ao final, o teatro de 2.088 lugares lotado, quase veio abaixo em aplausos.
O outro
Meu segundo Francisco me “chegou, como quem chega do nada”. Quer dizer, ele veio de um dos países que mais amo no mundo, a Argentina. Nascido Jorge Bergóglio, foi o primeiro papa a adotar o nome inspirado em São Francisco de Assis, escolhido por sua “simplicidade e dedicação aos pobres”. Desde que me conheço por gente, acho que o papa Chico – como o chamo carinhosamente – é o único que ri, gargalha e faz piadas. De cara, abriu mão de alguns luxos destinados ao Chefe de Estado do Vaticano, como os charmosos sapatos vermelhos da Prada usados pelo pontífice que o antecedeu. Francisco conheceu o drama dos necessitados de perto, trabalhando com comunidades pobres em Buenos Aires. Não viveu em uma redoma de cristal toda a vida. Talvez isso é que o faça tão humano, tão tolerante e amoroso, a ponto de indispor-se com a ala mais conservadora da Igreja Católica ao colocar posições até então inadmissíveis para um papa.
Bem, nós viemos aqui para conversar ou para ver filmes? Minhas sugestões, por supuesto, são sobre meus dois Franciscos favoritos.
Hasta la vista, queridos leitores.
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PAPA FRANCISCO
Dois Papas – direção: Fernando Meirelles – 2019 – Netflix
Não tinha como não começar por essa beleza de filme que mostra um encontro ficcional – mas provável – entre o Papa Bento XVI e aquele que o sucederia após a renúncia: Jorge Bergóglio. A direção segura do brasileiro e a interpretação de Anthony Hopkins, como Bento, e Jonathan Price, como Francisco, são memoráveis. Não conheço ninguém que tenha visto e não gostado de Dois Papas.
A sabedoria do tempo – série doc – 4 episódios -2021 – Netflix
Baseado no livro do papa Francisco, La sabidura del tiempo, o seriado traz o depoimento dele e de pessoas com mais de 70 anos de várias partes do mundo, como forma de inspirar os mais jovens. Uma dessas é dirigida pela filha mais nova de Martin Scorsese ( foto), Francesca, fruto do seu quinto casamento, que está começando na carreira do pai famoso e consegue extrair dele momentos importantes de sua história, inclusive sobre seu próprio nascimento e mostra a doença degenerativa da mãe.
Papa Francisco, um homem de palavra – doc – 2020 – Paramount+
O prestigiado cineasta alemão Wim Wenders dirigiu essa rara coprodução com o Vaticano. As ideias do Papa Francisco e sua mensagem são o centro deste documentário, que se propõe a apresentar seu trabalho de reforma e suas respostas às questões globais dos dias de hoje, sobre a morte, a justiça social, imigração, ecologia, desigualdade de riqueza, materialismo e o papel da família.
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FRANCISCO BUARQUE DE HOLLANDA
Chico e as Cidades – direção: José H.Fonseca – 2001/2009- Biscoito fino/ YouTube
O documentário foi relançado pela Biscoito Fino, em 2009, com três extras inéditos: o clipe de Cecília e takes das músicas Injuriado e Futuros Amantes. O DVD foi feito a partir do show As Cidades – estreado por Chico em 1999, com base no repertório do disco de mesmo nome. O documentário aborda diversos temas da vida e da obra do compositor, além de participações especiais de Maria Bethânia, Jamelão, Oscar Niemeyer, Tostão e a Velha Guarda da Mangueira. Veja aqui.
Chico, artista brasileiro – direção: Miguel Faria Jr. e Lauro Escorel– 2015 – Netflix
Dois importantes diretores brasileiros são responsáveis pelo documentário onde Chico, compositor, escritor e dramaturgo dialoga com a própria memória. Sua obra acompanha a história nacional há cinqüenta anos. Impossível não se emocionar.
O documentário recebeu o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro em 2016: premiado como Melhor Documentário, Montagem em Documentário, Som e Trilha Sonora.
Quando o carnaval chegar – direção: Cacá Diegues – 1972 –Globoplay
Uma curiosidade é ver o jovem Chico Buarque como ator nesse musical roteirizado por Cacá, Hugo Carvana e o próprio compositor. A trama: um grupo de cantores é contratado para se apresentar para um rei que chegará à cidade no Carnaval. Mas algumas discussões e romances entre eles impedem que o espetáculo aconteça. O filme é uma ode à alegria e tem Nara Leão, Maria Bethania, Antonio Pitanga e Elke Maravilha no elenco.
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VEM AÍ
- Uma boa notícia para os fãs da primeira temporada: acaba de chegar o primeiro episódio da segunda fase de “Manhãs de setembro”. A série brasileira, distribuída pela Amazon em mais de duzentos países, acompanha a chegada de um filho pré-adolescente na vida de Cassandra, uma cantora e motogirl trans. O garoto, fruto de um rápido romance do passado, vira a vida de Cassandra de cabeça para baixo. A protagonista é vivida por Liniker, cantora brasileira de voz única. Disponível no Prime Vídeo.
- Agende aí: dia 21/10 chega ao Prime Vídeo o filme “Argentina, 1985”, que concorre a um lugar na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar de 2023, representando o cinema argentino. Contando os dias aqui !
- A caminho estão também as novas temporadas de duas vencedoras do Emmy: a segunda de White Lotus ( HBO) e quarta de Succession (HBO).
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Extra pauta
A resistência do Cinema
Como participante do júri da Mostra dos Curtas Catarinense tive chance de ver de perto o trabalho de fôlego dos organizadores do FAM- Florianópolis Audiovisual do Mercosul. O Festival superou todos os obstáculos, como a pandemia, e chegou a sua 26ª edição como um dos eventos cinematográficos mais importantes da região do Conesul.
Durante sete dias, o público teve acesso às Mostras de Longas e Curtas, Especial Aldir Blanc, Work in Progress, Videoclipes, Infantojuvenil, Rally Universitário, além de oficinas com convidados internacionais e as conversas FAM de Cinema. Participaram produções do Brasil, Colômbia, Argentina, Peru e Bolívia, entre outras.
O Festival encerrou na quarta-feira, 28, com a premiação dos vencedores em várias categorias e a exibição do filme “Mares do Desterro”, dirigido por Sandra Alves.
A coluna deseja longa vida ao FAM!
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