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Municípios não estão preparados para eventos climáticos extremos

Mercado Público de Rio do Sul após as chuvas na cidade (Foto: Marco Favero / Secom)

61% dos municípios de SC estão completamente despreparados para enfrentar eventos climáticos extremos. Estudo revela vulnerabilidade dos municípios catarinenses e brasileiros diante do aumento de desastres naturais. O Brasil enfrenta desastres naturais devastadores com frequência, como enchentes e deslizamentos de terra. A omissão política e a ignorância dos alertas de especialistas agravam essas situações. A flexibilização das leis ambientais aumenta os riscos, evidenciando a falta de investimentos em infraestrutura adequada, como sistemas de drenagem e contenção de encostas. Mesmo assim, a falta de preparação dos municípios e redução de recursos destinados à prevenção e a defesa civil é constante. 

 

Em uma divulgada essa semana pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), seis em cada dez municípios de Santa Catarina admitem não estar preparados para lidar com eventos climáticos extremos, como secas, inundações e desmoronamentos. A história de desastres naturais no estado é marcada por eventos como as enchentes de 1983, 2008, 2010, 2023. No entanto, cortes nas verbas para prevenção de desastres e aplicação insuficiente dos recursos continuam a ser um problema. Em âmbito nacional, a situação é ainda mais alarmante, com 68% das cidades brasileiras reconhecendo sua falta de preparo.

A pesquisa, que entrevistou representantes de 3,5 mil municípios brasileiros, destaca que 61% das cidades catarinenses não se consideram preparadas para enfrentar o aumento na frequência e intensidade dos desastres naturais. Apenas 32% dos municípios catarinenses se dizem preparados, enquanto 4% desconhecem previsões que afetem suas áreas e 2% não responderam, ou seja, o prenúncio do caos num Estado castigado

 

Fatores de Despreparo

A principal razão para essa vulnerabilidade é a falta de recursos técnicos e financeiros. Em Santa Catarina, 74% dos municípios afirmam necessitar de maior capacidade técnica, enquanto 94% apontam a falta de recursos financeiros como o principal obstáculo. Além disso, 47,8% das cidades catarinenses não possuem sistemas de alerta para desastres, o que agrava ainda mais a situação.

A falta de infraestrutura adequada, como sistemas de drenagem e contenção de inundações, também contribui significativamente para a vulnerabilidade dos municípios. Apenas 49% das cidades catarinenses possuem um setor ou pessoa responsável pelo monitoramento diário em tempo real das áreas de risco.

 

Consequências da Falta de Preparação

A falta de preparo tem sérias consequências para as cidades, incluindo um maior número de mortes, feridos e desabrigados em caso de desastres naturais. Os prejuízos econômicos são substanciais, afetando infraestrutura, agricultura e comércio, e a recuperação pós-desastre é geralmente lenta e difícil. O problema é na origem, porque para prevenir futuras tragédias, é crucial investir em planejamento urbano, infraestrutura, monitoramento, alerta precoce, educação ambiental e treinamentos comunitários, e tudo isso começa pela elaboração de um Plano Diretor que trace as áreas de risco geológico propicias a desmoronamento e a inundação.

Ações coordenadas entre os governos federal, estadual e municipal são essenciais. Cerca de 73% dos brasileiros vivem em áreas suscetíveis a desastres naturais. Estudos indicam o Rio Grande do Sul como uma região crítica para inundações devido ao aquecimento global. Mas ao contrário de ações coordenadas, as políticas adotadas atropelam as leis ambientais, a Constituição Federal e flexibilizam a legislação ambiental.

Foto: Inicio das orbas de dragagem do Rio Itajaí Açú / Crédito: Roberto Zacarias / Secom – GOV SC

Em Santa Catarina, a dragagem do Rio Itajaí-Açu visa mitigar enchentes, mas a alocação de recursos é insuficiente. A memória de eventos como a enchente de 1983 em Blumenau destaca a necessidade de investimentos contínuos.

Há pouco mais de uma semana o Governador de SC Jorginho Mello promoveu um evento em Rio do Sul para anunciar o início das obras de dragagem do Rio Itajaí Açú. 16,2 milhões de reais para 8,2km… num rio que tem mais de 272km de extensão, passando uma falta sensação de segurança. E essa semana a cidade está novamente embaixo d’agua.

A redução da cobertura vegetal nativa no Rio Grande do Sul, substituída por áreas agrícolas e urbanas, agrava a intensidade das enchentes. É necessário encontrar um caminho que alie a produção agrícola e agroindustrial com a prevenção de desastres naturais.

A falta de implementação de políticas de prevenção e a ignorância aos alertas científicos demonstram uma gestão pública negligente. A recente aprovação do PL 4129/2021 no Senado, que estabelece diretrizes para adaptação às mudanças climáticas, é um passo positivo, mas enfrenta resistência política.

Mas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, o PL 4129/2021, que estabelece as diretrizes gerais para reduzir a vulnerabilidade em relação à mudança do clima, enfrentou resistência da oposição. Votaram contra o projeto os senadores Flávio Bolsonaro (PL – RJ), Carlos Portinho (MDB – RJ), Rogério Marinho (PSD – RN), Hamilton Mourão (sem partido – RS), Mecias de Jesus (Republicanos – RR), Eduardo Girão (Podemos – CE) e Plínio Valério (PSDB – AM).

O desenvolvimento de uma cultura de resiliência e a conscientização sobre a importância da ciência são essenciais para minimizar os impactos dos desastres naturais.

 

A Importância das Leis Ambientais

O descumprimento das leis ambientais está diretamente relacionado ao aumento dos riscos enfrentados pela sociedade. O desmatamento indiscriminado, a degradação do solo, a poluição atmosférica, a ocupação irregular de áreas de risco e a falta de fiscalização são fatores que contribuem para intensificar a frequência e a gravidade de desastres naturais. Como exemplos concretos, podemos citar as enchentes no Rio de Janeiro, a seca no Nordeste brasileiro e os incêndios florestais na Califórnia, todos eles agravados pelo desrespeito às leis ambientais.

As consequências desse descumprimento são devastadoras, resultando em perdas humanas, danos materiais, degradação ambiental e prejuízos econômicos. Diante desse cenário, medidas urgentes se fazem necessárias, incluindo o fortalecimento da legislação ambiental, aprimoramento da fiscalização, promoção da educação ambiental, investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias sustentáveis e a participação ativa da sociedade civil na formulação e implementação de políticas públicas. Somente com um esforço conjunto será possível enfrentar os desafios ambientais e garantir um futuro mais seguro e sustentável para todos.

 

Ignorância aos Estudos Científicos

Ignorar os estudos científicos sobre desastres naturais representa um erro crítico, cujas consequências podem ser devastadoras. Enquanto os especialistas oferecem análises detalhadas dos riscos e propõem medidas para prevenir ou mitigar os impactos desses eventos, políticos muitas vezes priorizam interesses imediatos, negligenciando essas recomendações. Um exemplo é o Relatório Brasil 2040, que, apesar de oferecer uma visão abrangente dos riscos nacionais e estratégias para enfrentá-los, tem sido amplamente ignorado pelos tomadores de decisão. Essa postura negligente ameaça a segurança da população e compromete o desenvolvimento sustentável do país.

A ciência desempenha um papel crucial na gestão de riscos, fornecendo compreensão dos fenômenos naturais, desenvolvendo soluções eficazes e embasando decisões informadas. No entanto, quando os estudos científicos são ignorados, os riscos de desastres naturais são subestimados, resultando em medidas inadequadas de prevenção e mitigação. Exemplos como o furacão Katrina, o terremoto do Haiti e as queimadas no Pantanal ilustram os impactos devastadores dessa negligência. Para enfrentar esse desafio, é essencial incentivar a produção e difusão do conhecimento científico, integrar a ciência na tomada de decisões, fortalecer a governança ambiental e promover a educação ambiental. Somente assim será possível proteger vidas, preservar o meio ambiente e garantir um futuro mais seguro e sustentável para todos.

 

Casos Específicos

 

Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

No Rio Grande do Sul o governador Eduardo Leite enfrenta críticas devido à flexibilização das leis ambientais no estado. Durante sua primeira gestão entre 2018/2029 ele flexibilizou 480 normas do Código Ambiental do Estado (CEA).  A iniciativa gerou grande controvérsia e mobilização da sociedade civil, com críticas de ambientalistas, juristas e membros da oposição, que argumentavam que as mudanças enfraqueciam a proteção ambiental no estado e facilitavam atividades que poderiam prejudicar o meio ambiente. No entanto, a lei de revogação foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não se pronunciou sobre o caso. A flexibilização do Código Ambiental do Rio Grande do Sul ainda é um tema controverso e que os seus impactos a longo prazo ainda estão sendo avaliados, mas agora com o peso da maior catastrofe ambiental da história do Rio Grande do Sul. Em 2023, o governador Eduardo Leite (PSDB-RS) propôs a demolição dos muros de contenção no Centro Histórico. Leite defendia que a demolição dos muros liberaria a vista para o Rio Guaíba e permitiria a criação de uma nova área de lazer e uso comum.

 

Em Santa Catarina a história de desastres naturais no estado é marcada por eventos como as enchentes de 1983, 2008, 2010, 2023. No entanto, cortes nas verbas para prevenção de desastres e aplicação insuficiente dos recursos continuam a ser um problema. Um exemplo marcante e recente: a dragagem do Rio Itajaí-Açu visa mitigar enchentes, mas a alocação de recursos é insuficiente. A memória de eventos como a enchente de 1983 em Blumenau destaca a necessidade de investimentos contínuos. Há pouco mais de uma semana o Governador de SC Jorginho Mello (PL-SC) promoveu um evento em Rio do Sul para anunciar o início das obras de dragagem do Rio Itajaí Açú. No discurso o Governador indicou que só agricultura perdeu mais de 6 bilhões nas enchentes de 2023, mas o anuncio de investimento foi de apenas 16,2 milhões de reais (valor que representa apenas 0,27% do prejuizo do setor agricola) para apenas 8,2km, num rio que tem mais de 272km de extensão. O investimento anunciado equivale a dragagem de apenas 3,015% do Rio Itajai Açú. E essa semana a cidade há poucos dias estava novamente embaixo d’agua. A boa notícia é que a bancada federal de Santa Catarina conseguiu o repasse de uma emenda de mais de R$ 95 milhões para o enfrentamento às chuvas e enchentes no estado e aa deputada federal Ana Paula Lima anunciou a conquista de um marco histórico para Santa Catarina: a liberação de R$ 50 milhões para a dragagem do Porto de Itajaí.

 

Florianópolis, Capital de SC, por sua localização costeira, enfrenta riscos como ressacas, erosão e tempestades marítimas. As principais causas desses desastres incluem fatores climáticos, ocupação irregular do solo, desmatamento e falta de infraestrutura adequada, como sistemas de drenagem e contenção de encostas. No entanto, estes riscos em relação a capital dos catarinenses foram completamente ignorados no Plano Diretor aprovado encaminhando pelo Prefeito Municipal, Topázio Neto (PSD-SC), e aprovado pelos vereadores em 2023. Com pelo menos 25 pontos que ferem a Constituição Federal ou as leis ambientais o Plano Diretor torna-se uma ameaça aos moradores. Uma ação capitaneada pelos defensores do “dito progresso da cidade”, mas de fato uma ação que pode custar muito caro aos moradores da Capital, quando o solo estiver ocupado sob as novas “regras”, e as chuvas fortes vierem combinadas com a maré alta, mais uma vez. Associar a novas contruções e coupação do solo permitidas pelo Plano Diretor, a ampliação do adensamento populacional e a infraestrutura existente é um prenuncio do caos em situação de emergência.

 

Medidas Necessárias

Para mitigar esses riscos, é essencial que os municípios invistam em infraestrutura adequada, desenvolvam planos de contingência detalhados, capacitem profissionais dos serviços de emergência e defesa civil e respeitem as leis ambientais e a Constituição Federal na elaboração do Plano Diretor. Campanhas de conscientização pública sobre os riscos e medidas de segurança também são fundamentais.

A Secretaria de Estado de Proteção e Defesa Civil de Santa Catarina (SDC) está iniciando um esforço para orientar as prefeituras na execução dos Planos Diretores, com foco na prevenção de desastres climáticos. A intenção é auxiliar os municípios a identificarem áreas suscetíveis a alagamentos, enchentes e deslizamentos, considerando os riscos de ocupação e incentivando o crescimento de forma segura. Esta iniciativa faz parte das competências da Defesa Civil e visa minimizar os impactos de desastres naturais e proteger a população catarinense.

No entanto, a SDC enfrenta desafios devido à sua estrutura enxuta e limitada influência política. A implementação eficaz dos Planos Diretores requer não apenas uma coordenação robusta, mas também recursos financeiros e humanos. A falta de envergadura política dificulta a articulação com outros órgãos estaduais e federais, bem como com prefeitos e câmaras de vereadores, comprometendo a eficácia das iniciativas de prevenção. Prefeituras com capacidades técnicas limitadas ou prioridades divergentes podem resistir à implementação das diretrizes de prevenção, representando um desafio adicional.

 

Combate ao negacionismo climático 

Outro obstáculo significativo é a forte onda de negacionismo climático que tomou conta da esfera política. Esse negacionismo é o maior problema para o sucesso na implementação de políticas de prevenção a desastres naturais. Ao negar a existência do problema, ou ignorar sua gravidade, autoridades acabam privilegiando apenas os interesses econômicos relacionados ao Plano Diretor e ao crescimento imobiliário do município, em detrimento da segurança e bem-estar da população. Candidatos a prefeitos e vereadores negacionistas afrontam a segurança da própria população.

A questão climática, o aquecimento global, a elevação do nível do mar e os eventos climáticos extremos não são um assunto a ser politicamente bipolarizado, negado, mas deve ser encarado com informação e bom senso, o risco deve ser minimizado nos municípios, com apoio do Governo do Estado e do Governo Federal. Uma catástrofe não escolhe quem defende a direita ou a esquerda, mas afeta a todos. Estamos todos no mesmo PLANETA, não dá para desembarcar.

Discussão em Brasília

 

Foto: 25ª Marcha dos Prefeitos, / Crédito: reprodução – CNM.

Os dados foram divulgados na véspera da 25ª Marcha dos Prefeitos, que ocorreu em Brasília. Uma comitiva catarinense estava presente para discutir, entre outros temas, a prevenção de desastres com parlamentares e o governo federal. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, destacou a necessidade de apoio federal para melhorar a preparação dos municípios: “Todos os municípios do Brasil tiveram eventos da natureza que ocasionaram problemas à comunidade e às prefeituras.”

A situação exige ação coordenada e imediata dos governos federal, estadual e municipal, além da colaboração da sociedade civil, para aumentar a resiliência dos municípios e reduzir o impacto dos eventos climáticos extremos na vida das pessoas.

Os recursos financeiros são limitados para os investimentos necessários, e as necessidades são ilimitadas, então é necessário estabelecer prioridades diante do agravamento da crise climática. Mesmo diante das evidências e provas científicas, existem aqueles que negam a crise climática e suas consequências, muitas vezes priorizando o lucro a curto prazo. E a primeira prioridade é combater o negacionismo climático já nas próximas eleições municipais. Candidatos a prefeitos e vereadores negacionistas afrontam a segurança da própria população.

Nas atuais circunstâncias, não é possível evitar completamente um desastre ambiental, mas é possível evitar a catástrofe e minimizar as perdas econômicas e de vidas e o combate ao negacionismo e as informações falsas (durante a catastrofe do Rio Grande do Sul foram identificadas mais de 480 notícias falsas) é o grande dividor de águas entre a catostrofe anunciada e medidads efetivas de prevenção em relação aos desastres naturais.

 

 

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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