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Se não for legal não é para Floripa

Atribuições dos vereadores e obrigações do Prefeito! Considerações sobre o conteúdo e a aprovação do novo Plano Diretor de Florianópolis

Ao falar sobre o “sucesso” do binário do Pantanal recém-inaugurado nas redes sociais, o prefeito Topázio Neto reconheceu que é necessário “ouvir as pessoas, consultar especialistas, mas decidir. Porque a pior decisão é não decidir”. No entanto, é importante questionar até que ponto o prefeito realmente quer ouvir a opinião das pessoas e levar em consideração as consultas feitas com especialistas. Em relação ao novo Plano Diretor, embora o processo de elaboração seja o mesmo – ouvir a população e consultar especialistas – o resultado foi um texto que fere a Constituição Federal, limita-se a apenas 5 das 17 diretrizes recomendadas pela ONU e, o mais importante, muitas pessoas estão reclamando que não foram ouvidas, incluindo especialistas que poderiam ter colaborado efetivamente com o novo Plano Diretor.

A elaboração de um Plano Diretor requer conhecimentos multidisciplinares, com a participação da população e de especialistas. É necessário ouvir a população para mapear suas necessidades, consultar especialistas, incorporar o conhecimento técnico disponível e, assim, conduzir as cidades aos melhores resultados. No último domingo (23), uma liminar ajuizada pela associação Florianopolitana das Entidades Comunitárias – UFECO impedia a votação do Plano Diretor, no entanto, a mesma liminar foi revogada na segunda-feira (24) e a votação ocorreu. Foram 19 votos favoráveis e 4 votos contra o novo PD.

Plano Diretor de Florianópolis
Foto: Manifestação popular – Plano Diretor Participativo para Florianópolis / Crédito: divulgação.

Embora exista uma narrativa de que a elaboração do Plano Diretor tenha sido participativo, uma questão que se impõe é: até que ponto as considerações da população e das entidades constituídas foram levadas em consideração? Trata-se de uma questão lógica: se o processo tivesse sido realmente participativo, a UFECO não teria tentado impedir a votação do PD. O texto do novo PD seria mais robusto se as entidades que agora reclamam por não terem sido ouvidas tivessem participado do processo, como outros conselhos e instituições, tais como o Instituto de Arquitetos do Brasil, o Conselho Comunitário do Jardim Cidade Universitária – CONJARDIM, o Conselho Comunitário do Córrego Grande – CCCG, o Instituto Cidade e Território, o Grupo de Estudo de Mobilidade Urbana Sustentável – GEMURB/ARQ-UFSC, o Fórum da Cidade, o Instituto dos Arquitetos do Brasil Departamento Santa Catarina, entre outros.

A partir do exposto, algumas considerações:

O vereador é um representante eleito para atuar na Câmara Municipal do município. Para cumprir suas obrigações é fundamental que entenda de legislação. Ao compreender a legislação, um vereador pode propor e apoiar iniciativas legislativas que são viáveis e eficazes em resolver os problemas e desafios enfrentados pela comunidade local. Um vereador que entende de legislação é capaz de avaliar criticamente propostas de lei e outras iniciativas legislativas apresentadas por outros vereadores ou pelo Prefeito e garantir que elas estejam em conformidade com a legislação aplicável e os interesses da comunidade.

O Plano Diretor – PD não pode se sobrepor à Constituição Federal, que é a lei máxima do país. A Constituição estabelece uma série de normas e princípios que devem ser observados por todas as esferas de governo, incluindo os municípios, e que têm como objetivo garantir o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, a proteção do meio ambiente, entre outros valores fundamentais. Qualquer medida adotada pelo PD de uma cidade que contrarie os princípios e normas estabelecidos na Constituição poderá ser considerada inconstitucional e, portanto, não poderá ser aplicada. Isso ocorre porque a Constituição é a base do sistema jurídico do país e deve ser respeitada por todos os órgãos e entidades públicas, bem como pela sociedade em geral. O PD deve ser elaborado em conformidade com as leis e normas ambientais e constitucionais, a fim de garantir a segurança jurídica e o desenvolvimento urbano sustentável e equilibrado da cidade.

Foto: Reprodução/TV Câmara de Florianópolis

A lei dentro da lei. Uma lei aprovada pela Câmara Municipal de Florianópolis deve estar em conformidade com a legislação aplicável, ou seja, deve ser criada de acordo com todos os requisitos legais estabelecidos pela Constituição Federal, pelas leis estaduais e pelas leis municipais. Para ser aprovada, uma lei geralmente passa por um processo de elaboração, discussão, votação e aprovação pelos vereadores. Uma vez aprovada pela Câmara Municipal, a lei deve ser sancionada pelo prefeito do município, que é responsável por verificar se a lei está em conformidade com a legislação aplicável antes de aprová-la.

Se a lei aprovada não estiver dentro da legislação aplicável? Caso a Câmara de Vereadores aprove uma lei que não esteja em conformidade com a Constituição Federal ou com as leis ambientais, o prefeito de Florianópolis tem o poder e o dever de vetar a lei. Para exercer esse poder, o prefeito deve justificar seu veto e encaminhá-lo de volta à Câmara Municipal para que os vereadores avaliem e votem sobre a decisão. Assim, o prefeito de Florianópolis tem o dever de garantir que as leis aprovadas pela Câmara Municipal estejam em conformidade com a Constituição Federal e com as leis ambientais, e pode usar seu poder de veto e recorrer ao Poder Judiciário caso necessário para cumprir essa responsabilidade.

Foto: Topázio Neto, Prefeito de Florianópolis / crédito: reprodução

E aí Prefeito? Se o prefeito não vetar uma lei que não esteja em conformidade com a Constituição Federal e as leis ambientais, e que tenha sido aprovada pela Câmara de Vereadores do município, ele poderá ser responsabilizado por suas ações ou omissões. Caso a lei seja contestada judicialmente e seja considerada inconstitucional ou ilegal, o prefeito pode ser responsabilizado pelos danos causados à população ou ao meio ambiente, bem como por qualquer violação das leis que tenham ocorrido como resultado da aprovação e implementação da lei. Por isso, é importante que o prefeito cumpra suas obrigações legais e vete qualquer lei que não esteja em conformidade com a Constituição Federal e as leis ambientais, a fim de proteger a população e o meio ambiente e evitar consequências legais e políticas negativas.

O que dizem os especialistas sobre o texto o novo PD: os especialistas apontam trechos da lei que ferem a Constituição Federal – CF ou a legislação ambiental vigente no Brasil e o documento elaborado por técnicos do Instituto dos Arquitetos do Brasil Departamento Santa Catarina observa que apenas 5, dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS* recomendados pela Organização das Nações Unidas, foram contemplados no PD que foi aprovado pelos vereadores de Florianópolis

25 trechos inconstitucionais. Documento elaborado pelo Prof. João de Deus Medeiros** lista 25 trechos do texto PD aprovado pela maioria dos vereadores de Florianópolis que ferem a Constituição Federal – CF ou as leis ambientais.  Dentre as inconstitucionalidades, estão as modificações que permitem que, em “havendo conflito entre os termos legais prevalecerá a redação mais favorável ao particular” que Fere Art. 3, IV da CF, que determina como objetivo fundamental a promoção do bem de todos, o PD sobrepõem o interesse privado em detrimento do bem comum. Outro ponto evidenciado pelo professor diz respeito ao Art. 22, §8º e §9º da Lei nº 10.257/2001, que dispõe sobre o Estatuto da Cidade, e prevê a criação de Zonas de Interesse de Proteção – ZIP para áreas que apresentam restrições ambientais, como as Áreas de Preservação Permanente – APP. De acordo com o §8º, os interessados afetados pela ZIP podem apresentar estudos técnicos para justificar a utilização dos parâmetros de uso e ocupação do zoneamento do entorno, caso não haja critérios de preservação permanente. No entanto, o §9º limita a criação da ZIP ao mapa atual do que é zoneado como APP, o que pode gerar questionamentos quanto à legalidade da medida. A Lei nº 12.651/2012 estabeleceu o regime jurídico das APPs, e não cabe ao município alterá-lo. Além disso, é importante destacar que o conceito de ZIP se confunde com o de APP, o que pode gerar conflitos e dúvidas quanto à sua aplicação. Dessa forma, é necessário que a criação de uma ZIP esteja em conformidade com a legislação ambiental e respeite os princípios constitucionais, como o da legalidade e o da proteção do meio ambiente. (A lista completa das inconstitucionalidades você encontra aqui em outra matéria publicada nesta coluna e que foi anexada ao relatório do ICMBio/Ministério do Meio Ambiente)

Segundo o Instituto dos Arquitetos do Brasil Departamento Santa Catarina “o documento de justificativa elaborado pela PMF para defender a revisão do Plano Diretor limita sua abordagem a apenas cinco dos dezessete ODS. Poucas metas são elencadas para esses cinco (ODS 3- Saúde e Bem-estar; ODS 8- Trabalho Decente e Crescimento Econômico; ODS 9- Indústria, Inovação e Infraestrutura; ODS 10- Redução das Desigualdades; ODS 11- Cidades e comunidades sustentáveis). Além disso, ao desconsiderar a interconexão entre as poucas metas elencadas e entre elas e as demais sugeridas pela ONU, relevantes oportunidades estão sendo desperdiçadas e iniciativas irreversíveis poderão criar um impacto futuro muito prejudicial para todos os moradores do município A revisão do PD deve incorporar uma visão sistêmica do município, buscando associar os diversos aspectos da sua sustentabilidade – econômica, social, ambiental e cultural – através de benefícios mútuos entre todas essas abordagens.”

Os especialistas apontam:   Irregularidades referentes aos artigos 69 do PLC 1911/2022, que altera o art. 90 da LC 482/2014 e o artigo 71 do PLC 1911/2022 que inclui o Art. 91-B;

e Recomendam:

Ao legislativo municipal revisar a redação do art. 69 do PLC 1911/2022 que altera o § 1º do artigo 90 do PD/2014, de forma a adequar a exigência de percentual mínimo de 35% da área total parcelável de loteamentos para áreas públicas (arruamento, AVL e ACI), conforme Lei Estadual nº 17.492/2018; revisar a redação do artigo 71 do PLC 1911/2022 que inclui o Art. 91-B, de forma a manter a proteção das apps conferida pelo Código Florestal; revisar a redação do artigo 34 do PLC 1911/2022, que altera o art. 58 da Lei Complementar n. 482/2014, de forma a não permitir construção e licenciamento de equipamentos e edificações de uso coletivo e de interesse público em áreas verdes de lazer/ espaços livres para recreação e lazer, privilegiando a criação ou a preservação da cobertura vegetal.

Desdobramentos jurídicos. Caso haja inconstitucionalidade no PD de Florianópolis aprovado pela Câmara de Vereadores e o mesmo não for vetado pelo Prefeito, a justiça deve revogá-lo. Para isso, os processos legais possíveis são:

  • Ação Direta de Inconstitucionalidade: pode ser proposta por partidos políticos, governadores, procuradores-gerais de Justiça, confederações sindicais, entre outros, com o objetivo de questionar a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo.
  • Ação Civil Pública: proposta pelo Ministério Público ou por entidades que tenham como objetivo a proteção do meio ambiente, do patrimônio cultural, dos consumidores, entre outros direitos difusos e coletivos. A ação pode ser utilizada para questionar a legalidade de atos administrativos, como a aprovação de um Plano Diretor, e buscar sua anulação.
  • O mandado de segurança pode ser utilizado para questionar a aprovação de um Plano Diretor que tenha sido aprovado de forma inconstitucional ou contrária à legislação ambiental.
  • Ação Popular: É uma ação que pode ser proposta por qualquer cidadão que se sinta lesado por ato ou omissão ilegal de autoridade pública. A ação popular pode ser utilizada para questionar a aprovação de um Plano Diretor que tenha sido aprovado de forma inconstitucional ou contrária à legislação ambiental.

O que é uma ODS e porque deve ser considerada na elaboração do PD. Até 2050, cerca de 77% da população mundial viverá em áreas urbanas, de acordo com dados Organização das Nações unidas – ONU. Em função de vários problemas, a vida urbana figura entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS para 2030. A agenda é composta por 17 objetivos interconectados, desdobrados em 169 metas, com foco em superar os principais desafios de desenvolvimento no Brasil e no mundo.  Os 17 ODS fornecem uma estrutura global para a promoção do desenvolvimento sustentável em diferentes áreas, incluindo o meio ambiente, a economia e a sociedade. Esses objetivos são interdependentes e interligados, e foram desenvolvidos com o objetivo de guiar as políticas públicas e as ações dos países e das cidades em direção a um futuro mais sustentável. Ao considerar os ODS na elaboração de um Plano Diretor para uma cidade, é possível:

  • Identificar as prioridades e necessidades da cidade em relação ao desenvolvimento sustentável, por meio da análise dos indicadores de cada ODS;
  • Integrar as políticas públicas em diferentes áreas, de forma a promover uma abordagem holística do desenvolvimento sustentável;
  • Engajar a população local, organizações da sociedade civil e outros atores relevantes na promoção de mudanças positivas na cidade;
  • Promover a cooperação e o trabalho em rede com outras cidades, estados e países, em busca de soluções conjuntas para os desafios globais.

Considerar os 17 ODS na elaboração de um Plano Diretor é uma estratégia importante para garantir que a cidade esteja caminhando em direção a um futuro mais sustentável e inclusivo.

* João de Deus Medeiros, possui graduação em pela Universidade Federal de Santa Catarina (1984), mestrado em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade de São Paulo (1989) e doutorado em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade de São Paulo (1993). Professor aposentado do Departamento de Botânica (BOT-CCB-UFSC). Ex Chefe do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, e ex-Diretor do Centro de Ciências Biológicas (CCB-UFSC). Ex-Diretor do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, ex-Diretor do Departamento de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, e atua como professor e orientador no programa de pós-graduação em Perícias Ambientais Criminais da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Botânica, com ênfase em Anatomia Vegetal, atuando principalmente nos seguintes temas: Políticas ambientais, mata atlântica, biodiversidade, anatomia, biotecnologia e impacto ambiental.

 

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