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Relações abertas, o “Jogo Erótico”

ilustração/ RICO MENDONÇA

O assunto está nas rodas de conversas, nas redes sociais e nos aplicativos de relacionamento, entre outros espaços onde se fala cada vez mais sobre relações abertas. Polêmico e com uma infinidade de abordagens, o assunto é tratado por muitos abertamente, outros tem reservas, praticam os relacionamentos abertos, mas mantém segredo. E não são poucos também os que se posicionam  totalmente contrários à possibilidade de abrir a relação. E nas discussões estão questões como amor, religião, romantismo, família e valores de cada um. Para trazer um pouco de luz ao  que  alguns  especialistas chamam de “Jogo Erótico”, vamos trazer nas próximas duas semanas entrevistas com duas especialistas que recebem em seus consultórios  casais de todos os  gêneros buscando esclarecimentos sobre abrir ou não a relação. Vamos saber o que são relações abertas, o poliamor e os contratos nessas relações, entre outros temas. Hoje a entrevistada é a Dra. Daniela Angeli, psicóloga e terapeuta de Florianópolis. Na próxima semana vamos conversar com a Dra. Regina Navarro Lins, psicanalista e escritora do Rio de Janeiro.


DANIELA ANGELI
– Psicóloga – foto/ DIVULGAÇÃO   

A Dra. Daniela Angeli é  formada em Psicologia pela UNIVALI de Itajaí-SC e Mestre em Psicologia pela UFSC. Tornou-se especialista em Gestalt-terapia pelo Instituto Granzotto de Florianópolis-SC e tem formação internacional em Análise Bioenergética pelo IABSP de São Paulo-SP, associado ao IIBA – International Institute for Bioenergetics Analysis.

Atua como Psicóloga Clínica há 21 anos,  integrando a Gestalt-terapia e a Análise Bioenergética no trabalho em consultório com adolescentes, adultos e casais. É Coordenadora de Grupos Terapêuticos e professora no Curso de Extensão da UNISUL, intitulado: Da Psicanálise às Terapias Corporais Energéticas: Freud, Reich e Lowen  e  Coordenadora do CERNE – Centro de Estudos Reichianos e Neo-reichianos de Florianópolis-SC

Vamos a entrevista:

A.PRADA –  Na sua opinião o tema Relações Abertas  está mais em pauta hoje, se discute mais ou sempre  existiu mas havia tabus em se falar?
DANIELA ANGELI –  Sim, sempre  existiu o  tabu, não era algo legitimado socialmente, as pessoas não podiam ter esse tipo de contrato do ponto de vista social. Onde começou exatamente eu não sei, mas talvez o movimento da contracultura tenha influenciado. Hoje em dia relacionamentos abertos  são mais aceitos, social e culturalmente.  Antigamente existiam, mas as pessoas não falavam sobre esse tema, hoje em dia falam  mais abertamente e sim, há uma tendência sobre relações abertas. Nem todas as pessoas  falam que tem uma relação aberta, mas não existe  todo aquele tabu de antigamente.

A.PRADA – A senhora acha que no passado, de alguma forma,  os homens já tinham relações abertas, mais do  que as mulheres?
DANIELA ANGELI – Hoje,  quando a gente fala de relação aberta, estamos falando de uma espécie de contrato entre os envolvidos,  não é algo escondido, a relação aberta é consensual. No passado, se isso acontecesse, seria traição , infidelidade mesmo. Quando um lado consente,  está configurada  a relação aberta, mas quando o outro não sabe, acontece de forma  escondida, não existe relação aberta. Antigamente, o que  acontecia é que os homens tinham relações extra conjugais, algo que até certo ponto era aceito culturalmente  pela sociedade. As mulheres também tinham, mas numa proporção muito menor.  E se existia relação aberta no passado, era muito velado  e o casal não abria, ao contrário de hoje em dia em que muitos  casais falam sobre isso abertamente.

A.PRADA – Na sua opinião, o que a relação aberta tem a ver com o romantismo. Acaba o amor romântico, as pessoas partem para relação aberta e o amor  deixa de existir, ou pode existir amor e relação aberta ao mesmo tempo?
DANIELA ANGELI – A partir do momento em  que duas pessoas decidem ter uma relação aberta, elas vão  estabelecer uma espécie de contrato. Dentro desse contrato elas concordam que podem ter somente  relações sexuais com outras pessoas ou se envolver emocionalmente com outras pessoas, inclusive pode  acontecer as duas coisas. Às vezes, o casal  acerta  que podem transar com outras pessoas, mas não podem se relacionar emocionalmente, não pode ter romantismo. Tem casais que acham que sim, podem existir sexo e amor com outras pessoas.

A.PRADA – Neste caso estamos falando de poliamor, desenvolver sentimentos  românticos são permitidos?
DANIELA ANGELI –  Exatamente, estamos falando de poliamor. Dentro dos  contratos de relações abertas existem diferentes configurações. Tem casais que concordam com a relação aberta, mas  acertam que um não vai contar para o outro as experiências. Por outro lado, existe o acordo em que um conta para o outro e talvez até queiram estar juntos. E existem também acertos em que o casal permite a entrada de terceiros na relação, que podem ser amigos, ex-namorados ou outras ligações afetivas.

A.PRADA – Quando a senhora fala de casal, independe do gênero?
DANIELA ANGELI – Independente do gênero,  podem ser relações entre homem e mulher, homem com homem, mulher com mulher. E saindo do termo casal, podem  ser dois homens e uma mulher, duas mulheres e um homem, enfim todas as possibilidades que os  gêneros permitem  e que aproximam os interesses dos envolvidos na composição das experiências e relacionamentos. Existe até uma configuração  em que diferentes casais vivem juntos no contexto poliamoroso e de  gêneros.

A.PRADA – A relação aberta chega como uma opção para melhorar ou evitar o desgaste da relação tradicional ou ela já pode nascer com o começo do relacionamento?
DANIELA ANGELI – As duas coisas são  possíveis. Não é recomendável que se decida pela relação aberta em um  momento de crise, quando a vida sexual não está bem ou ocorrendo outros conflitos no casamento. Mas muita  gente faz isso,  estão com muitos problemas  na relação e decidem abrir, achando que a situação vai ficar mais leve. Particularmente, eu acho complicado. Os casos que eu acompanhei, as pessoas abriram a relação porque estavam em crise, a decisão não facilitou as coisas e  gerou novos problemas. Outros casais, que estão bem na convivência, abrem o relacionamento por curiosidade, procurando novas experiências e continuam se dando bem.

A.PRADA – A senhora recebe casais e gente em relações com mais de duas pessoas  procurando informações sobre relacionamento aberto. O que estas pessoas mais querem  saber sobre bom e ruim numa relação aberta, quais as principais dúvidas?
DANIELA ANGELI – As experiências que eu tenho com as pessoas que me procuraram para falar sobre relação aberta são bem distintas. Boa parte chega decidida sobre  a relação aberta, sem querer mudar o  que  estão vivendo, mas procurando melhorar a solução das problemáticas  a partir da configuração do relacionamento. E aí entram questões como o ciúme,  quais os melhores contratos para estarem juntos  e evitar dramas, sofrimentos e como melhorar a comunicação no relacionamento. Eles não chegam para pedir opinião sobre a relação aberta, isso já está claro e decidido, até porque  não cabe a mim dar opinião ou interferir sobre abrir ou fechar uma relação. O que faço é  oferecer pontos de reflexão sobre a relação, o que naturalmente leva o casal a pensar sobre manter ou não a relação aberta.

A.PRADA – A senhora já recebeu pessoas que queriam fechar a relação?
DANIELA ANGELI – Sim, já teve situações em que o  casal chegou com a relação aberta  e trouxe as questões que falei há pouco, como ciúme, inseguranças, informações nebulosas e outras questões que levaram o casal a refletir sobre o que estavam vivendo. Outros casais diante das mesmas questões fecharam a relação por um tempo e depois abriram novamente.

A.PRADA – Eu percebo que o tema relações abertas está muito presente nas redes sociais. E vejo também que em determinados posts  a maioria das pessoas se manifesta contra a relação aberta, dizendo que é muito risco para pouco resultado, argumentando que viver a dois já é complicado, abrindo a relação os problemas podem aumentar muito mais. O que a senhora diz sobre isso?
DANIELA ANGELI – Os problemas de uma relação monogâmica são diferentes de uma relação aberta ou poligâmica. Numa relação monogâmica surgem muitos conflitos. A partir do aprofundamento da relação a dois, surgem muitos desentendimentos, comunicação velada, atitudes, comportamentos e outras situações que precisam ser sempre trabalhadas. Na relação aberta, os problemas vem muito mais das inseguranças, das fantasias que um faz do outro sobre estarem com outras pessoas,  principalmente  quando um terceiro  passa a ocupar mais espaço na vida de uma dos lados do casal, abrindo um novo campo de problemática. Mas as pessoas  vão dizer, as relações monogâmicas são muito mais profundas, as abertas superficiais. Entendo que depende muito do que as pessoas querem aprofundar. Nas relações abertas, o contexto básico é o aprofundamento das experiências sexuais, ao contrário das relações fechadas, onde o profundo são as questões emocionais.  Talvez quando se tenha relação com várias pessoas os conflitos sejam menores do que com uma pessoa que está o tempo todo na mesma relação, isso depende muito de cada tipo de relacionamento, seja aberto ou fechado.

A.PRADA – Pelo que a senhora fala sobre os contratos, eles são muito diversos, algumas  pessoas admitem relações abertas  para experiências sexuais apenas uma vez com um terceiro  para não virar uma nova relação, é isso?
DANIELA ANGELI – Exato, cada contrato é um contrato. Tem casal  que permite que uma das partes fique com um terceiro até três vezes,  entendendo que mais do que isso pode  gerar relacionamento emocional, e isso não pode, segundo o acordado, mas normalmente os contratos permitem apenas um terceiro de cada vez, evitando entrar no campo do poliamor ou outros formatos de relações.

A.PRADA – E quando na relação aberta acontece de todo mundo transar com todo mundo, não vira uma complicação?
DANIELA ANGELI – Quando as pessoas admitem ter uma relação aberta  elas tem um vínculo mais profundo do que as outras que vão transitar perifericamente nessa relação. Existem muitos casais que vivem anos juntos, com vida estruturada, filhos crescidos, estabilidade financeira e emocional, tudo funciona bem, mas perderam a vontade sexual ou guardam vontades sexuais que nunca experimentaram, então existe um aprofundamento nesse núcleo. Mas a partir da abertura, o terreno é imenso e tudo pode acontecer quando se procura mais e mais experiências, o que pode sim gerar uma desordem, principalmente com diversos parceiros, em muitos casos envolvendo sentimentos e uma série de outros riscos. Eu acho complexo o envolvimento emocional com muitas pessoas, isso é muito pessoal da minha parte, mas tem gente que acredita nessa possibilidade. A gente está vivendo um momento na nossa sociedade chamado de “Relações  Líquidas”, em que tudo é mais rápido e superficial. As relações líquidas são aquelas em que as pessoas estão juntas  enquanto interessa, perdeu o interesse já era e cada um vai  pro seu lado, não existe motivação para dar continuidade e aprofundamento na relação. Muitas vezes é o que acontece nas relações abertas, que tornam-se líquidas com a chegada e saída de muitos terceiros.

A.PRADA – A senhora acha que relação aberta é liberdade?
DANIELA ANGELI – Sim, é um tipo de liberdade. Ao longo da história nos foi imposta a relação monogâmica. A partir do patriarcado, foi reforçada a cultura do relacionamento monogâmico, sem qualquer outro tipo de opção, estabelecendo todas as formas de tabus. Mas a relação poligâmica também é construída de forma cultural e social, então é uma forma de liberdade relativizar as formas de relacionamento com o outro, ou seja, estamos construindo outras formas de relações.

A.PRADA – A relação aberta é tendência de futuro?
DANIELA ANGELI – Eu acho que a gente está vivendo uma certa tendência, eu não digo que sempre vai ser assim ou geral, mas muitos casais estão optando por essa maneira de tocar a relação, principalmente aqueles  que já estão muito tempo juntos e sentem a necessidade de experimentar coisas novas. Essa tendência já é manifestada  também por casais jovens, que estão se antecipando em viver novas experiências, embora entre os jovens permaneça forte a vontade de viver o amor romântico. Não podemos esquecer que quando a gente se envolve com alguém, e isso se torna uma ligação forte e de prazer,  a vontade é de ficar com aquela pessoa, viver a relação amorosa e fechada, sem obrigações e naturalmente monogâmica. Temos que tomar cuidado para não passar a mensagem que o amor monogâmico não é legal e que  relações abertas são  o futuro. A natureza de grande parte das pessoas é a monogamia. Não devemos forçar a barra quando o assunto é a escolha na forma de se relacionar. O que eu acho é que  aberta ou fechada, o mais importante é o jogo limpo, a relação sempre em cima da mesa, com muita conversa e comunicação. No caso da relação aberta, sob pressão de uma das partes, a outra sem  vontade de abrir, acaba concordando e isso pode ser muito doloroso.

A.PRADA – E como fica a estrutura da família diante de uma relação aberta quando o casal tem filhos?
DANIELA ANGELI – Isso vai depender muito da construção e da identidade de cada  família. Tem casais que  os filhos nem ficam sabendo, é tão íntimo do casal que não falam. Tem filhos que ficam por dentro e procuram saber como funciona a relação e se serve para a vida deles. No caso dos adolescentes, eles observam pela curiosidade, mas pode sim influenciar a vida sexual deles, o que exige dos casais ainda mais cuidados dentro do contrato da relação aberta. Outra questão que diz respeito  aos adolescentes e jovens, que não diz respeito ao tema relação aberta que estamos falando, mas está de alguma forma associada, é a bissexualidade. Há uma tendência entre eles de vivenciar a sexualidade,  numa espécie de jogo erótico, onde menina fica com menina e menino fica com menino, sem definição de orientação sexual ou aprofundamento das experiências sexuais. A maioria leva na diversão, como se fosse uma brincadeira mesmo. Já a bissexualidade na vida adulta, pode ser sim determinante para uma relação aberta e a busca de interação com outros  gêneros  sexuais, inclusive os fetiches, que sempre estão nas  curiosidades e fantasias das pessoas e que fazem parte da busca sexual.

A.PRADA – A gente pode dizer que relação aberta segue os movimentos da sociedade, sempre em  transformação, e que é difícil compreender todo o contexto sobre como  ocorre?
DANIELA ANGELI – Como nas relações monogâmicas existem acordos também  diferentes, existem diferentes contratos. Neste tipo de contrato, é comum que os casais definam o dia só dele ou dela saírem com os amigos e amigas, o dia do futebol dele e assim por diante. E também existe  o casal que só pode sair e fazer tudo junto. São regras  acordadas, a princípio mais fácil de lidar. Já as relações abertas exigem uma  infinidade  de contratos muito diferentes entre si,  o próprio  casal  vai definir como  agir para que a relação aberta funcione e ninguém saia machucado, pelo menos é isso que sei que os casais  tentam, mas nem sempre é fácil.

A.PRADA – Que orientações a senhora daria para quem está vivendo ou pensando em ter relação aberta?
DANIELA ANGELI – Primeiramente, o casal tem que ter uma comunicação muito aberta. Se um ou outro tem vontade de abrir a relação é necessário uma boa conversa para analisar as reações à proposta. Como estamos falando de um contrato do campo dos desejos sexuais, é necessário que os termos estejam ainda claros. Caso a situação fique embolada, o  melhor caminho é a busca de ajuda profissional, que eu considero sempre  a melhor saída para os conflitos em qualquer forma de relacionamento. No caso da relação aberta, as pessoas precisam se autoconhecer muito bem e saber se colocar no lugar do outro, será que a experiência é imprescindível para eu ter na minha vida,  sentir o outro,  estabelecer a dinâmica da abertura da relação. Tem que ficar claro que abrir a relação não é bagunça ou loucura, é um processo complexo e que a ajuda profissional pode ser o caminho  antes ou depois de surgirem problemas, numa condição segura de avaliação e soluções. Digo isso porque há situações em que os problemas da relação aberta podem acabar até em problemas criminais. Eu conheço um caso em que uma mulher entrou na relação de um  casal hétero, criando um triângulo amoroso. As duas mulheres acabaram se apaixonando e tramaram para matar o parceiro, uma questão passional que teve origem  na relação aberta.

A.PRADA – E sobre o amor, a questão desde sempre da humanidade. Muita gente procura  o seu consultório por causa das questões ligadas ao amor?
DANIELA ANGELI – As questões amorosas são as que mais trazem as pessoas ao consultório e à terapia. São pessoas que se separaram, casais  tentando salvar a relação,  desilusões afetivas, decepções e traições. Os relacionamentos movem muitas coisas dentro da gente, desde as mais primitivas, ainda crianças, os traumas que vem da família, experiências que vão influenciar nossas relações eróticas afetivas ao longo da vida. As relações de amizade, por exemplo, se resolvem muito mais facilmente porque não tem sexo. Já as relações envolvendo o sexo e amor  são mais complicadas. A partir do sexo, se desdobra uma série de questões internas que desde sempre fazem parte das complexidades da humanidade. Nesse contexto, eu acredito que as pessoas devem se fortalecer em si mesmas, com o trabalho, lazer e amigos para quando chegar um outro e compor uma relação afetiva e sexual, seja complementar e não carência, evitando relações tóxicas, afinal tudo começa pela gente.

E uma última consideração:  seja qual for o tipo de relação, fechada ou aberta, não podemos esquecer que somos culturalmente e socialmente influenciados, portanto não há certo ou errado, é necessário compreender  que  existem as diferentes formas de relacionamentos e as pessoas  são livres para escolher onde se encaixam e onde podem ser felizes.

@psicologa.gestaltbioenergetica

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Deixo aqui um agradecimento especial à Dra. Daniela Angeli, que se dispôs a falar sobre um tema muito complexo e que mexe fortemente com as opiniões.

Na próxima semana a entrevistada é a Dra. Regina Navarro Lins, psicanalista e escritora do Rio de Janeiro, com várias obras publicadas sobre amor, sexo e relacionamentos.

Até lá.

@anselmoprada

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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