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A grande Ingrid Bergman

A grande Ingrid Bergman

Há quarenta anos morria Ingrid Bergman, uma das maiores estrelas do cinema em todos os tempos. Curiosamente, a atriz sueca nasceu há 107 anos no mesmo dia e mês de sua morte, 29 de agosto. Por seu talento e sua história pessoal, Ingrid foi uma das homenageadas no meu livro de crônicas “As mulheres da minha vida” ( Ed. Insular, 2019).

Reprodução

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Ingrid

Amo o Cinema desde que me entendo por gente. Através dos filmes conheci outras formas de arte, como a música de Tchaikovsky, passeei por países exóticos, me apaixonei por Marlon Brando. As divas foram um capítulo à parte. Comecei a fumar ainda adolescente por influência daquelas mulheres que usavam o cigarro como forma de sedução. Entre uma baforada e outra lançavam olhares maliciosos atrás da nuvem de fumaça. Closes arrebatadores em branco e preto, a luz perfeita, um luxo! Eu queria ser assim. Felizmente, abandonei o vício vinte anos depois.

As divas de então eram especiais. Hoje, estrelas mais “palpáveis” que andam de jeans rasgados, arrastando cinco filhos pelas ruas de Los Angeles, não sei se entrariam nessa categoria. Na Era de Ouro de Hollywood elas mantinham uma certa aura de mistério. Os escândalos não eram do tipo “foi vista saindo bêbada de uma casa noturna”. Pareciam seres de outro mundo, embora internamente sofressem as mesmas dores de qualquer mortal como prova, por exemplo, Marilyn Monroe, morta por overdose de barbitúricos aos 36 anos.

Não foi fácil para escolher apenas uma entre Greta Garbo, Marlene Dietrich, Rita Hayworth, Katherine Hepburn, Sophia

Loren, Brigitte Bardot, Elizabeth Taylor, Ava Gardner, Lauren Bacall, Grace Kelly, Audrey Hepburn, Josephine Baker, Claudia Cardinale, Kim Novak, Gina Lollobrígida, Silvana Magnano, Monica Vitti para homenagear a todas. Bette Davis, sempre muito competitiva, disputou o lugar com Ingrid Bergman, mas a diva sueca ganhou a disputa.

Não tenho certeza se vi Ingrid pela primeira vez em “Casablanca”(1946) ou em “Intermezzo”(1939). Esse foi seu filme de estreia em Hollywood, quando ainda nem falava inglês direito. A jovem que havia cursado a Real Escola de Arte Dramática de Estocolmo já tinha feito nove filmes no seu país de origem, quando foi descoberta pelo mega produtor americano David O. Selznick. “Intermezzo” era um remake do filme de mesmo nome que Ingrid havia feito na Suécia alguns anos antes.

A intenção de acabar “Intermezzo” e voltar para a terra natal foi abandonada diante do sucesso do filme nos EUA. Acabaram também as dúvidas de Selznick em relação a ela “ por não falar inglês, ser alta demais, possuir um nome que soava alemão e ter as sobrancelhas muito grossas”.

Ingrid Bergman era mesmo diferente das estrelas que povoavam Hollywood. Sua beleza não era acachapante como a de uma Ava Gardner ou Rita Hayworth, mas acabava sendo uma vantagem, pois podia interpretar uma mulher sofrida do povo ou uma princesa russa com a mesma naturalidade. Havia uma serenidade em seu semblante e lá no fundo também uma dor, talvez vinda da infância. Ingrid perdeu a mãe aos dois anos e o pai aos treze. Órfã, foi morar com uma tia que morreu seis meses depois. Passou a viver com outros tios.

Quando começou a filmar nos Estados Unidos, Ingrid era casada com o Dr.Petter Lindstrom e tinha uma filha ainda bebê, Pia, ambos suecos. O filme “O Médico e o Monstro” antecedeu o que seria o maior sucesso de Ingrid : “Casablanca”. Com o super astro Humphrey Bogart, ela interpretou a história de Rick e Ilsa, antigos amantes que se reencontram na romântica Casablanca, em plena Segunda Guerra. Romance, humor, renúncia, suspense, uma canção icônica como “As time Goes By” fez de “Casablanca” um dos maiores sucessos de bilheteria da história. Indicada a oito Oscars, a película levou Melhor Filme, Melhor Diretor ( Michael Curtiz) e Melhor Roteiro. Elevou também Ingrid Bergman à estrela de primeiríssima grandeza na meca dourada.Ela filmou duas vezes com o temível Alfred Hitchcock, “Interlúdio” e “ Quando Fala o Coração” . Com George Cukor fez “ À Meia Luz”que rendeu seu primeiro Oscar de Melhor Atriz em 1945.

Ingrid vinha de uma escola de teatro e, diferentemente de outras estrelas, estava interessada em fazer trabalhos de qualidade e não apenas ser famosa. Quando descobriu os filmes do italiano Roberto Rosselini, em 1950, a atriz ficou extasiada e escreveu para ele: “Caro senhor Rossellini, vi seus filmes “Roma: cidade aberta” e “Paisá” e gostei muito deles. Se precisar de uma atriz sueca que fale inglês muito bem, não esqueceu o alemão, ainda não é muito inteligível em francês e de italiano só sabe ti amo, estou pronta para fazer um filme com o senhor”.

Rosselini, avesso a Hollywood, nem sabia bem quem era Ingrid Bergman , mas a chamou para um teste no seu novo projeto: “Stromboli”. Ela partiu para a Itália e quando o conheceu sua vida mudou para sempre. A paixão à primeira vista rendeu um rumoroso escândalo: Rosselini também era casado com a grande atriz Anna Magnani. Famosa por seus papéis dramáticos, reza a lenda que Anna agiu como uma de suas personagens quando desconfiou do marido com Ingrid e num acesso de fúria despejou o prato de macarrão que preparava na cabeça dele.

Escândalo à parte, quando “Stromboli” estreou, nascia o primeiro filho do casal, Roberto. Ingrid se divorciou do Dr. Alstrom e casou com Rosselini no México. Ingrid pagaria muito caro por ser considerada uma pecadora, adúltera, que abandonara a família por outro homem. A Legião de Decência dos Estados Unidos ( uma espécie de “Senhoras de Santana”, as paulistanas moralistas dos anos 1980) resolveu boicotar o nome de Ingrid, pois era um “ mau exemplo para as famílias de bem”. O senador americano Edwin C. Johnson atacou Ingrid publicamente por ser “uma poderosa influência para o mal”. Cedendo à pressão, os exibidores retiraram todos seus filmes de cartaz.

Ela comeu o pão que o diabo amassou, foi massacrada pela crítica, chamada de vagabunda na imprensa e impedida de ver a filha mais velha, Pia, então com 10 anos. Só conseguiu rever a menina um ano depois. Em 1952, ela teve as gêmeas Isabella e Ingrid. A primeira tornar-se-ia atriz como a mãe. Apesar de tudo, ela dizia não ter nenhum pesar, pois “ eu não teria vivido a minha vida da forma que fiz ,se fosse me preocupar com o que as pessoas iriam dizer”. Nos sete anos que viveu na Itália, Ingrid atuou em filmes de Rosselini e Jean Renoir, cineastas conceituados pela crítica. Em 1957, porém, o diretor italiano filmava o documentário “Índia:Matri Bhumi” quando teve um caso com uma atriz indiana. O casal se divorciou e Ingrid decidiu voltar para os Estados Unidos. Tinha medo de ser mal recebida, mas tomou coragem e foi.

Para seu alívio, o público americano a recebeu de braços abertos. Ela retornou ao cinema com “Anastácia- A princesa esquecida”, papel que lhe rendeu outro Oscar de Melhor Atriz. Ingrid receberia ainda outra estatueta de ouro como Melhor Atriz Coadjuvante em “ Assassinato no Expresso Oriente”, em 1975. Nesse ano mais duas coisas marcariam a vida de Ingrid Bergman: o divórcio do terceiro marido, o produtor de teatro sueco, Lars Schmidt, e a descoberta do câncer de mama.

Ingrid continuou atuando até o fim da vida. No cinema fez “Sonata d Outono”, sob direção do seu conterrâneo genial, Ingmar Bergman. A história de uma pianista, mãe ausente, que volta para reencontrar as filhas, deve ter calado fundo em Ingrid. Ela está esplêndida e comovente no papel.

Seu último trabalho foi como a primeira-ministra israelense, Golda Meir, em um especial para a TV, em 1982. Com ele conquistou o Globo de Ouro e um Emmy póstumo.

Ingrid Bergman morreu em 29 de agosto do mesmo ano, no dia em que completava 67 anos. Para matar nossa saudade, nos deixou Isabella, tão parecida com a mãe que quando a vemos na tela pensamos estar vendo Ingrid de volta. Dá um apertinho no meu coração cinéfilo.

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Palavra de Ingrid

“Eu fui de santa a prostituta, e novamente santa. E tudo em uma só vida”.

“As pessoas não esperam que eu tenha emoções como as outras mulheres”.

“Eu nunca procurei o sucesso a fim de obter fama e dinheiro. É o talento e a paixão que contam para o sucesso”.

“Lembro-me de um dia sentada na beira da piscina, e de repente minhas lágrimas escorriam por meu rosto. Porque eu estava tão infeliz? Eu tinha sucesso e segurança. Mas isso não era o suficiente e eu estava explodindo por dentro”.

“A melhor maneira de se manter jovem é continuar trabalhando. Depois, é só relaxar e se divertir”.

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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