O Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um discurso no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília, onde ficam as instalações da sede da transição de governo, que desagradou o mercado financeiro, que logo reagiu provocando a alta do dólar e queda na B3 – bolsa de valores. As perguntas feitas por Lula sugerem incompatibilidade entre responsabilidade fiscal e os gastos com assistência social, mas são importantes para o real desenvolvimento de um país:
Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social do país? Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia?”
Após a fala de Lula, a bolsa de valores perdeu R$ 156 bilhões em valor de mercado e o dólar aumentou 4,10%. Perda considerável, pois a austeridade fiscal é cara ao mercado. Mas é necessário analisar o que o presidente eleito está propondo e os benefícios que isso pode gerar para alavancar a economia. É óbvio que o ajuste nas contas públicas não vai acontecer como um passe de mágica. A equipe econômica tem um trabalho árduo pela frente, o esforço fiscal para recuperar o orçamento federal é necessário e o déficit herdado do atual Governo está próximo dos 400 bilhões. Mas aí aparece a primeira diferença: a responsabilidade sobre ajuste fiscal e a necessidade do aumento de gastos não está apenas nas mãos de um único ministro, mas sim de uma equipe econômica. A segunda diferença também é evidente: a partir de primeiro de abril não teremos mais as declarações no cercadinho que também afetaram inúmeras vezes a bolsa e o dólar.
Nos mandatos anteriores de Lula, os gastos com assistência social e a ampliação de linhas de crédito se mostraram eficazes para o crescimento econômico. No Governo de Jair Bolsonaro (PL) o auxílio emergencial segurou a queda do Produto Interno Bruto – PIB minimizando os efeitos da pandemia. Os gastos com assistência social tem efeito pulverizado e multiplicador, pois movimentam do setor de alimentos ao setor da construção civil e isso se reflete na economia com um todo. Um impulso de base para a retomada do crescimento econômico.
Se 33 milhões de pessoas começarem a consumir arroz, feijão, comprar sapato, roupa, material para reformar ou construir uma casinha, comprar móveis, eletrodomésticos mesmo usados, dos mais baratinhos? O que isso pode significar para a produção de alimentos, para a indústria e para o comércio do país? A metáfora da picanha ganhou o país com críticas e deboches, mas o significado é nobre: é inadmissível que 33 milhões de pessoas passem fome no país que é um dos maiores produtores mundiais de alimentos. Não é sobre a possibilidade de comer picanha e tomar uma cervejinha (isso é uma figura de linguagem, uma metáfora), mas de ter o que comer pelo menos 3 vezes ao dia.
O potencial de crescimento do mercado consumidor interno precisa ser aproveitado, a começar pelas pessoas que hoje passam fome. Se essas pessoas tiverem acesso aos alimentos básicos obrigatoriamente a produção tende a crescer, com mais estímulo para a produção, a circulação do capital vai proporcionar o crescimento da economia. O modelo econômico adotado pelo atual Governo priorizou as relações comerciais externas, muitas vezes em detrimento do abastecimento do mercado nacional, gerando pressão inflacionaria. Nesse caso lei de oferta e procura é implacável e os preços aumentam. A carne é um exemplo clássico, quando vender mais para o exterior implica em reduzir a produção para o mercado interno, os preços aumentam.
O aumento de preços também teve origem no desmantelamento da política de estoques reguladores pelo atual Governo, que expôs a produção agrícolas e o mercado consumidor as intempéries ambientais. A inflação também é influenciada pelo desmatamento e as queimadas na Amazônia, pois essas ações prejudicam o clima e afetam a produção em cerca de 75% do território nacional, além de aumentar os custos de energia elétrica pela falta de chuvas nestas mesmas regiões, isso também impacta na planilha das indústrias, isso também gera pressão inflacionária e no bolso dos consumidores. Isso deveria preocupar muito mais o mercado financeiro do que os questionamentos de Lula.
Para entender a política governo Lula é necessário analisar o esforço que está fazendo para chamar pessoas com competência comprovada, com ideologias complementares e capazes de olhar de forma sistêmica para a gestão do país. Uma visão horizontal, com medidas que passam por todos os ministérios. Isso vai muito além do ministério da Economia. De todas as medidas necessárias, provavelmente as vinculadas a urgência da assistência social, sejam as mais eficazes no curto prazo para fazer a economia crescer. Mas antes disso é necessário calibrar o discurso e as ações, sem perder de vista as contas públicas e a sensibilidade do mercado financeiro e, como é natural, ajustar as velas para os próximos quatro anos.