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Meu ano rosa

Meu ano rosa

De cabeça para baixo na maca eu olhava os sapatos das médicas e técnicas e ficava escrevendo histórias sobre eles em pensamento. As botinhas de estampa de vaca, os surpreendentes sapatos de cetim vermelhos com strass no calcanhar, os tradicionais sapatos brancos, tudo virava um conto mental. Era um jeito de espairecer das agulhas e apertões.

Depois de descobrir e tratar um câncer de mama há alguns anos, muitos conhecidos sugeriram que eu escrevesse sobre minha experiência. Sempre relutei porque considero que cada pessoa a vive de uma forma. Não há uma fórmula única para enfrentar essa doença tão temida pelas mulheres. Depende de muitos fatores: em que fase da vida você está, como lida com a dor, quem está do seu lado segurando sua mão …

Finalmente, diante de mais um “Outubro Rosa”, o mês escolhido para chamar atenção para o câncer de mama, resolvi falar um pouco sobre como foi comigo. A primeira reação com o diagnóstico foi de surpresa. Sou de uma família com muitas mulheres e nunca houvera um único caso. Sentia-me protegida pela genética. Passado o impacto da notícia, embora sempre tivesse ouvido depoimentos de mulheres perguntando “por que eu?”, perguntei-me “por que não eu?”. Não encarei aquilo como sendo contra MIM. Não sou tão importante para ser alvo de conspiração do universo.

Quem já fez mamografia sabe que é uma espécie de teste para trabalhar no Circo de Sóleil. – Encoste o rosto na máquina, abra um pouco as pernas, jogue o bumbum pra trás, levante o ombro esquerdo, segure a outra mama, segure a outra mama… plac,plac. Depois, é a outra que vai virar uma “panqueca”. Mas, vale o sacrifício.

Acho que pode servir de alerta a forma como descobri a doença. Fiz meus exames regulares e o laudo da clínica dizia que estava tudo bem com velhos nódulos. Levei as imagens para a ginecologista que conhece meu corpo desde jovenzinha e ela percebeu algo diferente na imagem.Era uma suspeita mínima, mas a médica pediu uma tomossíntese, a mamografia digital, que é mais precisa mas o plano de saúde não cobre. Resultado: havia um nódulo maligno e eu precisaria extirpá-lo.

Aí, começou uma série de exames pré-operatórios. Para espantar o pessimismo lembrava do que disse o primeiro mastologista que consultei: “melhor não ter, mas se é para ter que seja como o seu, descoberto no início”. Felizmente, não precisei esvaziar as axilas, pois não afetara os linfonodos . A cirurgiã retirou apenas um quadrante da mama e a recuperação do corte foi tranquila. O impacto sobre mulheres que precisam retirar a mama é infinitamente maior.

 

A dupla quimio & rádio

O que vive no imaginário de todo cinéfilo sobre quimioterapia é a Ali MacGraw se esvaindo em vômito no filme “Love Story”. Lembrar do Scott Campbell  em “Tudo por amor” também não ajuda. Esqueça essas cenas.

Aprendi com as amáveis atendentes que chupar gelo ou picolé de limão durante o pinga-pinga no braço ajudava a diminuir o enjoo. Olhar os beija-flores nas árvores da clínica e ouvir música nos fones, também me ajudava. Assim como saber que na sala de espera estava meu amoroso companheiro, assistindo novela antiga no “Vale a pena ver de novo” para passar o tempo.  Nas sessões de radioterapia ouvi muitas histórias enquanto aguardava a vez, como a do homem que não contava à esposa aonde ia duas noites por semana.

Eu ouvia o som da máquina  e a sensação de cócegas no couro cabeludo. Abri os olhos e me vi calva no espelho do salão. As outras clientes estavam em silêncio e disfarçavam o olhar.  Ia sentir falta da cabeleira, mas melhor assim do  que vê-la caindo aos poucos a cada dia. Sabia que ela voltaria a crescer. Tempos depois voltou mais  encaracolada e linda que antes.

Última etapa: cinco anos de inibidores hormonais para evitar a recidiva do câncer e…voilá, a remissão da doença.  Sigo fazendo o acompanhamento e os exames regulares. Se posso dar alguma dica a quem passa por isso é: evite ler depoimentos dramáticos na internet, busque ouvir quem tem algo positivo para relatar, cerque-se de pessoas pacientes e amorosas, não permita que a autopiedade se instale, você é uma entre milhares de mulheres que já passaram por isso. E, por fim, apegue-se aos seus santos, anjos, simpatias, reza, benzedeira, seja qual for a sua fé, para acompanhar o tratamento tradicional. Boa sorte.

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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