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Uma vida de dança e ousadias

Uma vida de dança e ousadias
Fotos Artur Luz

Ele é ativista dos direitos humanos das pessoas com deficiência e conduz a vida com audácia. Artista-performer- educador e escritor, João Paulo Lima vive e atua em Fortaleza (CE) e pela segunda vez participa do projeto artístico-cultural Miscelânea em Dança, gestado e produzido em Florianópolis (SC) por Rodolfo Lorandi e Maria Claudia Reginato.

Com o tema Neurodiversidade em Movimento, a sétima edição do Miscelânea ocorre entre os dias 8 e 11 de outubro, em versão totalmente on-line que reúne pesquisadores de nove Estado brasileiros.

 

Espetáculo “Corpo Intruso”, carregado de inovações, circunscreve o nome de João Paulo no circuito da dança contemporânea brasileira (Foto Galba Sandras)

 

João Paulo é Mestre em literatura comparada, técnico em dança contemporânea e assessor de acessibilidade. Desenvolve suas pesquisas sobre corporeidades diversas e luta pelos direitos das pessoas com deficiência.

Sem perder a oportunidade de sensibilizações, incorpora essa luta onde quer que esteja, “em tudo o que faz”. Na condição de deficiente, gay, pardo e nordestino, diz que acumula dissidências e elas lhe dão fôlego. “Abordar o corpo deficiente como corpo vivo, que deseja e é desejado, ativo na sociedade e no mundo; trago isso sempre seja dançando, performando ou ministrando aulas.”

É ele quem encerra a 7ª Miscelânea de Dança, no dia 11, às 20h30, quando conduz a quarta e última mesa-redonda com a mediação de uma provocação: “Não há Dança Sem Defeito”.

Para ele, mediar equivale a estar junto, provocar encontros, diluir ideias, ampliar as existências. Como o próprio evento dispara: a diversidade hoje é tema necessário e instigante, além de tudo não podemos parar de abordá-lo. “É preciso educar nosso olhar como pessoa para as possibilidades do existir, do criar, do fazer arte”.

Confira o bate-papo com esse artista fodástico, elaborado com a ajuda da jornalista Néri Pedroso. 

 

“Devotees”, trabalho mais recente. A palavra denotees denota pessoas que têm fetiche por deficientes (Foto Artur Luz)

 

Quais são seus principais interesses como artista, educador e escritor? Há limites entre essas atuações ou elas se entrecruzam de modo involuntário e permanente? Tudo se hibridiza na cena contemporânea?

João Paulo Lima – Tenho me movimentado por muitas áreas desde que me formei em letras. Já dei muita aula em escolas públicas e particulares, já participei durante cinco anos de um grupo de música da Universidade, no qual viajamos duas vezes para a Europa. Também vou invadindo espaços de formação em literatura, escrita criativa, etc.

Minhas experiências foram se agregando e quando percebi já tinha sido influenciado e influenciei uma e outra linguagem. Tudo tem sua originalidade, mas o original acontece porque entra em contato, a aproximação e a mistura torna tudo novo, é necessário misturar para encontrar essa singularidade.

 

Você também é ativista dos direitos das pessoas com deficiência. Como se dá a sua militância e quais as suas principais abordagens nesta perspectiva?

João Paulo – Na própria vida, com minha fala, minha exposição, meus discursos que aprendi a ter com outras PcD (pessoas com deficiência). O encontro com outros artistas PcD do Brasil e do mundo, a representatividade que percebo ter me tornado também foram trocas que me empoderaram. Trago abertamente essa pauta em tudo o que faço, ser gay, ser gaydef, ser gaydefpardo, sergaydefpardonordestino. Acumulo dissidências e elas me dão fôlego. Como disse, abordar o corpo def como corpo vivo, que deseja e é desejado, ativo na sociedade e no mundo. Trago isso sempre e em tudo, seja dançando, performando ou ministrando aulas.

 

Como é o circuito de dança em Fortaleza, qual é o lugar que a sua dança ocupa?

João Paulo – Fortaleza é uma cidade cheia de dança. Temos escolas e cursos públicos de formação básica, técnica e superior. Muitos espaços de dança clássica, jazz, etc. Conclui minha formação em dança em cursos como esse. Sou um dos poucos artistas da dança que se formaram em espaços institucionais. A tendência é aumentar e precisamos disso.

Ao longo de 15 anos, em idas e vindas da minha cidade, acho que contribuo de algum modo ou incomodo a dança e o pensamento hegemônico, padrão de corpos bípedes. Sempre estreio aqui meu trabalho e tenho permanecido cada vez mais em cena. Creio que isso é resultado de muitas ousadias.

 

 

Espetáculo “Corpo Intruso 2” (Foto Acervo)

 

Parceiro nas ações de Rodolfo Lorandi, na última Miscelânea em Dança você propôs uma oficina sobre corpo e escrita, uma proposição aberta às singularidades de cada participante. Agora, você retorna como mediador e provocador de uma mesa-redonda. Como encara o papel de um mediador e provocador num encontro que tem como eixo a neurodiversidade?

João Paulo – Estar junto, provocar encontros, diluir ideias, ampliar as existências. A diversidade hoje é tema necessário e instigante, além de tudo não podemos parar de abordá-lo. Educar nosso olhar como pessoa para as possibilidades do existir, do criar, do fazer arte. Mediar de forma ativa e refletir que pautas se cruzem com as proposições do evento.

 

No seu campo de atuação, acha que é possível aproximar Santa Catarina do Ceará? O que conhece de Santa Catarina, quais suas referências?

João Paulo – Ainda não conheço, mas tenho alguns colegas que moram em Fortaleza e são de lá. Precisamos conhecer esse país de ponta a ponta e nos fazer conhecer. Artista não vive sem encontros, encontrar a belezura da diversidade de nossos acentos, falas, nossas faltas, nossas necessidades e o que nos sobra para dividir um com o outro.

 

Qual é o papel de um assessor de acessibilidade? Como ele deve agir, quais os pontos em evidência nesta atuação? Pelo atraso no Brasil no respeito dos direitos das pessoas com deficiência, é uma atividade permeada por conflitos?

João Paulo – Mais que nunca temos que educar as pessoas, juntar nossas exigências, mas continuar formando, gestores, artistas, educadores, insistir sobre o tema CAPACISTISMO, dizer e provar como ele é estrutural, como precisamos mudar nossas atitudes e percepções sobre acessibilidade. Como diz um evento aqui do Ceará, criar uma cultura do acesso.

Assessorar pessoas a perceberem como não pensamos em outros corpos e suas habilidades diversas. Onde trabalho eu tenho feito formações continuadas dentro e fora da instituição sobre esses temas para gerar essa cultura de sermos acessíveis e tornarmos os lugares e as pessoas acessíveis.

 

Inclusão e acessibilidade são palavras de ordem neste momento em quase todos os projetos artístico-culturais. Como vê tudo isso? O que tem a apontar sobre as duas palavras? Avançamos nessas questões?

João Paulo – Pensar e repensar acesso, para além do que é posto como inclusão. Sempre revisitar questões como: quem elabora as políticas públicas? Há pessoas com deficiência nessas discussões? Há PCDs ocupando cargos e pautas?

Inclusão deve ser uma atitude de aproximação de diversos vetores. Não podemos mais admitir que leis e ações aconteçam sem nossa opinião e nossa participação. Como diz a famosa frase: “Nada Sobre Nós Sem Nós.”

 

O que seria pensar acessibilidade na dança? Ou como cada artista e professor poderia ser um assessor de acessibilidade em sua própria prática?

João Paulo – Não precisamos pensar tanto. Precisamos acionar nossos afetos e sentidos para o corpo e suas possibilidades. O corpo PcD é de uma pessoa. Descobrir suas realidades é o grande começo, porque aciona imediatamente suas necessidades e potência. Todos nós, com ou sem deficiência, temos potencialidades e limitações, precisamos enxergar isso e considerá-las nas decisões das políticas públicas e em nossas atitudes.

 

Você acaba de lançar o livro “Viço Manco Voo”. No que consiste? É o seu primeiro livro? O que o levou a investir neste projeto?

João Paulo – Sempre gostei de escrever, fiz letras e lecionei dois anos como professor de literatura brasileira na Federal do Ceará. O livro veio depois de tanto tempo dividir poemas com alguns amigues. Veio num momento que se entrelaçam minhas atitudes perante eu mesmo, minha dança, meu corpo, minhas escolhas. Um corpo def que se confessa, recorda, conta suas narrativas sem pudor e sem esconder mais nada do que sente e quer sentir.

 

Quem você não deixa de ver ou ler? Quem admira na dança brasileira? E na literatura? Quem são os preferidos?

João Paulo – Leio sempre e quase tudo de Viviane Mosé. Ailton Krenak. Djamila Ribeiro, Carla Akotirene, Chimamanda Adiche. Amo Drumond, Murilo Mendes, Graciliano Ramos, Carolina Maria de Jesus, muita gente também de agora conterrâneos meus e contemporâneos como Sara Síntique e Talles Azigon. Na dança do Brasil admiro Edu Oliveira e Estela Laponi. Foram e são pessoas que afetaram e afetam meu corpo e minhas escolhas.

 

 

O que você não fica sem: Música e sexo

 O que mais admira: Sensatez e elegância

O que abomina: Tirania

Um lugar no mundo: Espanha e Fortaleza

Uma saudade: Meu pai

Uma bebida: Cervejas

Uma comida: Tapioca

Palavra: Saudade

Uma frase: “Não é uma questão de ser ou não. Mas de ser e não ser”. Murilo Mendes

Um ídolo: Clarice Lispector

Um livro: “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”

Melhor viagem: Sevilha, na Espanha

Na pandemia eu…  mudei tudo e continuei no mesmo lugar rs

Sonho: Ter uma casa no campo

 

 

Palmas pra você, João!!!

 

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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