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O cinema brasileiro em Cannes, novidades e o adeus a Tina

Anselmo Duarte, diretor de "O pagador de promessas" (Foto: Divulgação)

O Festival de Cinema de Cannes pode não ser tão popular quanto o Oscar, mas é o mais prestigiado do mundo. Sua marca são os filmes de qualidade artística, os independentes e os novos diretores de nacionalidades diversas.

O cinema brasileiro já brilhou em Cannes várias vezes. Em 1962, “O pagador de promessas”, dirigido pelo ator Anselmo Duarte, recebeu a Palma de Ouro. Em 1969, Glauber Rocha recebeu o prêmio e Melhor Diretor por “ O dragão da maldade contra o santo guerreiro”. Duas atrizes brasileiras foram premiadas: Fernanda Torres, em 1986,  por seu trabalho em “Eu sei que vou te amar” e Sandra Corveloni, em 2008, por “Linha de Passe”. O Prêmio do Júri em 2019 foi para ‘Bacurau’, dirigido por Kleber Mendonça e Juliano Dornelles.

Este ano, o Brasil participou com “Firebrand’, de Karim Aïnouz,  “Retratos Fantasmas’, de Kleber Mendonça Filho,  “A Flor do Buriti’, de João Salaviza e Renée Nader Messora e “Levante”, de Lillah Halla. O documentário Nelson Pereira dos Santos – Vida de cinema, dirigido por Ivelise Ferreira e Aída Marques também esteve na programação da mostra Cannes Classics do Festival de Cannes.  Ivelise, que foi casada com o diretor já falecido, destacou que “depois de quatro anos de obscurantismo, de passarmos por uma pandemia, de montarmos o filme de forma remota, é realmente um grande prêmio estar em Cannes agora para a abertura da luz. Estamos voltando, o Brasil está voltando”.

Amanhã (27) saberemos o resultado na cerimônia de encerramento da 76ª edição do festival, presidida pelo diretor de “ Square” e “ O triângulo da tristeza”, o sueco Ruben Ostlund.

Enquanto, os novos filmes não chegam às plataformas, dá pra ver e rever alguns títulos nacionais.

E viva o Cinema Brasileiro!

 

O pagador de promessas – direção: Anselmo Duarte – 1962 – Globoplay e YouTube

A história de Zé do Burro, um homem  que tenta pagar uma promessa depois de seu burro ser salvo da morte, foi escrita por Dias Gomes, um dos mais conhecidos autores brasileiros de novelas. Adaptada pelo ator Anselmo Duarte, o filme traz Leonardo Villar no papel de Zé do Burro e Glória Menezes como sua mulher. O homem coloca uma imensa cruz de madeira nas costas e caminha desde seu vilarejo por mais de trinta quilômetros até chegar a Salvador, onde fica localizada a igreja em homenagem à Santa Bárbara, para quem ele pediu a salvação do animal num terreiro de candomblé. Chegando na escadaria da igreja, Zé é impedido pelo padre de entrar.

Quando o Anselmo Duarte voltou de Cannes com a Palma de Ouro, desfilou em carro aberto pelas ruas. “ O pagador de promessas” também foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Essa continua continua sendo nossa única Palma de Ouro. Quem sabe amanhã isso muda ?

 

Medida Provisória – direção: Lázaro Ramos – 2022 – Telecine/Now

Depois de provar que é um ótimo ator, Lázaro Ramos segue os passos de outros colegas, como Wagner Moura e Selton Mello, e se arrisca na direção. Ele se saiu bem nessa distopia, onde uma medida provisória obriga os negros brasileiros a voltarem para a África de seus antepassados. Foi a forma que o governo encontrou de não gastar com indenizações propostas como ressarcimento pela escravidão.  Há quem diga que há momentos em que a narrativa se torna um pouco panfletária, mas o racismo é um tema tão atual e necessário que já passou da hora do Brasil encarar o problema de frente. No elenco estão a mulher de Lázaro, Thais Araújo, Seu Jorge , Adriana Esteves, Renata Sorrah e o britânico Alfred Enoch, conhecido pela saga Harry Potter, que fala português por ser filho de mãe brasileira

 

Bacurau – direção: Kleber Mendonça e Juliano Dornelles – 2019

Caso você ainda não tenha visto “Bacurau”, sugiro que veja. O filme, premiado em Cannes, pode ser percebido como um filme de ação ou pela metáfora dos conflitos sociais. Há um pouco de faroeste, de drama, fantasia e terror, na trama. Bacurau é o nome do vilarejo em que os moradores descobrem que ele não consta mais do mapa. Coisas estranhas começam a acontecer, assassinatos, um político aproveitador tenta enganar a comunidade, um matador de aluguel é chamado para ajudar, enfim, é o caos instalado na pequena comunidade. Sônia Braga e o alemão Udo Kier são os nomes internacionais do elenco no filme que revelou o ótimo ator Silvero Pereira.

Quando o Anselmo Duarte voltou de Cannes com a Palma de Ouro, desfilou em carro aberto pelas ruas. “ O pagador de promessas” também foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Essa continua continua sendo nossa única Palma de Ouro. Quem sabe amanhã isso muda ?

 

Outras novidades nas plataformas

A extorsão – direção:  Martino Zaidelis – 2023 – HBO Max   

O  incansável Guillermo Francella (leia sobre ele em A cara do Cinema) é Alejandro, um piloto comercial veterano, vítima de extorsão por esconder um segredo que pode acabar com sua carreira. Ele é obrigado pelos chantagistas a carregar malas de Buenos Aires para a Espanha, sem saber o que há dentro. Mais tarde, ele descobre que não é o único piloto a fazer isso e as coisas vão se complicando, inclusive na vida pessoal quando sua mulher, uma comissária de bordo, passa a desconfiar que há algo errado. É o cinema argentino mostrando que também sabe fazer suspense.

 

Asterix e Obelix  no Reino do Meio – direção:  Guillaume Canet – 2023 – Netflix

Esse quinto filme da franquia é um presente para os fãs dos icônicos heróis gauleses dos quadrinhos. Desta vez,  Asterix e Obelix vão até a China para ajudar a princesa So Hi a salvar sua mãe, a Imperatriz, e suas terras de um príncipe golpista. Há muitas referências a comportamentos de hoje, embora a trama se passe em  50 a.C. e a trilha sonora debocha dos momentos românticos, como a famosa canção que encerra “ Dirty Dance”. A história inclui também o imperador romano Julio Cesar que vai a China para tentar reconquistar Cleópatra, papéis que ficaram com dois nomes famosos do cinema francês: Vincent Cassel e Marion Cotillard. A curiosidade é a presença do jogador Zlatan Ibrahimovic no papel de Antivírus, o herói mais popular dos romanos. O diretor, Guillaume Canet, ficou com o papel de Asterix.

 

Uma doce revolução – direção:  S.E.De Rose – 2022 – Prime Vídeo

Hoje pode parecer banal ficar falando em igualdade de gênero porque as mulheres estão numa posição um pouco mais justa. Só não devemos esquecer as pioneiras, as que abriram caminhos para as  gerações que vieram depois. O filme conta a história de uma delas. Nos anos 1960, Grace Gordon , uma mulher divorciada na casa dos quarenta , descobriu com a morte do pai que a família tinha perdido todo o dinheiro e estava endividada. Ao recorrer ao banco para tentar pagar as contas , Grace é humilhada por ser mulher sem nada a oferecer à sociedade, os empréstimos só eram liberados para homens. Ela precisa sobreviver e começa a vender cosméticos, trabalho onde conhece a realidade das mulheres negras. Talvez hoje achemos desconfortável a ideia de que ela acabou recorrendo a um homem , um amigo congressista, para mudar as coisas. O título original revela essa “ cumplicidade”:  Charming the hearts of men (Conquistando o coração dos homens ). Mas, Grace conseguiu inspirar uma legislação histórica  nos EUA que permitiu oportunidades e proteção nunca antes concedidas às mulheres. Esse é o primeiro filme da diretor S.E.De Rose.

 

Roda do Destino – direção: Ryûsuke Hamaguchi – 2021 – Belas Artes a la carte

O diretor japonês precisou interromper as filmagens de “Drive my car”,  filme que o tornou conhecido internacionalmente ao receber o Urso de Prata em Berlim e ser indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro em 2022, por causa da pandemia de Covid. Enquanto aguardava, ele filmou as duas primeiras histórias de “ Roda do Destino”. A terceira, ele gravou em 2020. A sinopse fala de um inesperado triângulo amoroso, uma armadilha de sedução fracassada e um encontro que resulta de um mal-entendido, contados em três movimentos para retratar três personagens femininas e traçar as trajetórias entre suas escolhas e arrependimentos.

Obs: “Drive my car” também está disponível em streaming.

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Homenagem

O brilho de Tina Turner no Cinema

O ano de 2023 já mostrou que  não está para brincadeira ! Agora levou uma das maiores cantoras da nossa era. Tina Turner, a rainha do rock in roll, nos deixou esta semana, aos 83 anos, depois de uma longa doença. É difícil imaginar que aquela força da natureza nos palcos esteve debilitada. Muito se falou e prestou homenagem a Tina como a cantora incrível que ela foi. Sua história dramática ao lado do parceiro profissional e ex-marido, Ike Turner, nas mãos de quem sofreu abusos sucessivos, e a virada que ela deu na própria vida, renderam filmes e documentários.

Para além de ser uma cantora espetacular, Tina está na coluna por sua  forte presença em alguns filmes. Como atriz ela é mais lembrada por “Mad Max- Além da cúpula do trovão” ( foto), de 1985, ao lado de Mel Gibson. Mas, eu jamais esquecerei dela em “Tommy”, baseado na ópera rock do The Who, de 1975, onde ela é The Acid Queen.

Na plataforma Star+ está disponível a cinebiografia “ Tina- A verdadeira história”, de 1993, dirigida por Brian Gibson, com Angela Basset no papel de cantora. A própria Tina participa do filme.

No documentário “ Tina”, de 2021,  disponível na HBO Max, a diva se despede da vida artística. Em um momento do filme ela revela “ Não foi uma vida boa”. Apesar de ter vivido seus anos mais tranquilos na maturidade, tendo adotado o budismo e vivendo na Suiça, Tina havia perdido o filho Craig, de 59 anos, em 2018. Ele cometeu suicídio e isso a abalou muito. Tristemente, Tina perdeu outro filho, de câncer, cinco meses antes de morrer.

Enquanto vou encerrando essa modesta homenagem, ouço a canção icônica de “ Mad Max”, “We Don’t Need Another Hero” e penso nos versos…

So, what do we do with our lives/We leave only a markWill our story shine like a light/Or end in the dark/Give it all or nothing //

Então, o que faremos com as nossas vidas?/Deixamos apenas uma marca/Nossa história brilhará como uma luz/Ou acabará na escuridão?/Dê tudo de si ou nada(…)

Eu respondo: Tina deixou sua marca e sua história brilha como uma luz.

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THE END

 

 

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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