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A fera na selva

A fera na selva
Reprodução/Site R7

John Marcher sempre sentiu que havia uma “fera” à espreita, pronta para devorá-lo. Isso o fez passar a vida inteira esperando o momento em que algo extraordinário iria acontecer. Certo dia, em um almoço em Londres, ele reencontra May a quem confidenciara, dez anos antes na Itália, essa sensação que era seu maior segredo. Ela se torna uma amiga leal e compromete-se a acompanhá-lo em sua espera. O tempo passa, eles amadurecem e May – que já vislumbrou qual é a “fera” – acaba morrendo. John fica só e viaja pelo mundo, mas é apenas no túmulo dela que se sente acolhido. Esta é, em resumo, a história de “A fera na selva”, novela de Henry James, nascido em Nova York, cidadão do mundo, que acabou se tornando um dos escritores mais influentes do século XIX.

“A fera na selva” se tornou um dos meus livros favoritos na vida por ser daqueles que parece sussurrar no ouvido do leitor: já pensou nisso? E se acende uma luz. O final é doloroso e escrito de forma tão primorosa que chega a dar vergonha de eu estar aqui escrevendo qualquer coisa! Transcrevo , mesmo correndo o risco de dar spoiler, caso alguém queira ler a novela de Henry James:

Mas o amargor de repente lhe causou náusea, e foi como se ele visse com horror, na crua verdade, na crueldade de sua própria imagem, tudo que havia sido designado e cumprido. Viu a Selva de sua vida e a Fera à espreita; então, enquanto  olhava percebeu, como que por uma vibração no ar que ela se erguia, enorme, horrenda, para o salto que o aniquilaria. Seus olhos se turvaram – a Fera estava perto; e virando-se instintivamente em sua alucinação, para evitá-la, tombou sobre o túmulo. (*)

Por que lembrei de “A fera na selva”? Porque lembro sempre do livro e também por parecer que estamos à espera de algo extraordinário. No caso do protagonista, perdido em seu egoísmo, aconteceu e ele não viu. E conosco ? A “fera” escondida na selva já nos alcançou ? É a pandemia o nosso extraordinário ou foi algo na nossa vida que passou despercebido ?

Desculpem, acordei meio confusa e dispersiva. Posso estar misturando assuntos. A frustração é tão grande por não vislumbrar a hora de tomar a vacina, nem virar jacaré, que não consigo encontrar um desfecho para a crônica. Está em aberto. Conto com vocês.

(Brígida De Poli)

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A fera na selva – Henry James -Editora Rocco- 96 pgs. Tradução: José Geraldo Couto

Resenha oficial: Um segredo une o casal de amigos John Marcher e May Bartram. Após se conhecerem na Itália e passarem dez anos sem se falar, um reencontro inesperado em Londres faz com que retomem a amizade, acompanhada das expectativas de John, que espera por acontecimento raro e grandioso em sua vida. Um sentimento de amor não explícito entre eles permeia toda a narrativa, que também trata de solidão, destino, temor e morte. A trama, que se passa na Inglaterra e se tornou um clássico da literatura do século XIX, propicia ao leitor uma infinidade de interpretações sobre a real história de A fera na selva.

 

A fera na selva – direção: Paulo Betti e Eliane Giardini – Brasil – 2019

Surpreendentemente, o livro de Henry James foi adaptado para o cinema por dois atores brasileiros que também interpretam os papeis principais. Ainda não tive chance de assistir, mas o livro é daqueles de difícil adaptação. Temos dois exemplos bem sucedidos de casos como esse: Ensaio sobre a cegueira ( José Saramago), de Fernando Meirelles, e A insustentável leveza do ser( Milan Kundera), de Phillip Kaufman. Estou curiosa para ver como se saíram Paulo Betti e Eliane Giardini na direção/interpretação dessa obra tão especial. O filme está disponível no canal Looke/Now, mas pago à parte.

Créditos: Reprodução/YouTube

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DICAS DA COLUNA

SÉRIES

Riviera – 3 temporadas – Fox Premium

Essa é uma daquelas séries de grande investimento na produção visual e menos no roteiro. Os cenários são magníficos, mansões e palácios em locações como Veneza e o sul da França. Os figurinos também são caprichados, sem falar nas Ferraris e Lamborghinis que desfilam pela série. Já os personagens são mal construídos e a protagonista, Julia Stiles, oscila entre a psicopatia e a magnanimidade. Georgina é uma especialista em obras de arte que casa com um milionário, cuja ex-mulher e filhos são bem conturbados. A partir daí, crimes financeiros, assassinatos, correria de carros, se sucedem nesse drama/ação/suspense. Serve pra passar o tempo e desligar um pouco do triste noticiário.

Na última temporada, Georgina e seu novo parceiro transitam também por Buenos Aires, incluindo muitas cenas nas favelas portenhas. Mesmo assim, deu para matar um pouco as saudades de uma das minhas cidades favoritas no mundo.

 

Trapped – 2 temporadas – Netflix

Pois é não é que também a Islândia produz séries de suspense? E com bons resultados.  A história de Trapped (algo como “caído numa armadilha”) acontece num pacato vilarejo, cercado de montanhas nevadas. O cenário é sempre todo branco, com neve abundante que fecha a estrada com ligação à Capital, Reykjavik . Com isso o mistério de um tronco humano retirado do mar por pescadores acaba nas mãos da polícia local, composta de apenas três pessoas. O chefe é Andri, interpretado pelo carismático Oláfur Darri Olafsson, que vive as dores da separação no casamento. Ele detém os passageiros de uma grande balsa para tentar achar o suspeito. Tráfico humano, especulação imobiliária e até um crime antigo se entrelaçam na investigação.

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FILMES

 

O túnel – direção: Pal Oie  – 2019 – Telecine/Now

E por falar em cenário gelado, a Noruega entrega esse filme catástrofe, que se passa às vésperas do Natal. O herói é o bombeiro Stein, viúvo e pai de uma adolescente revoltada porque ele está tentando reconstruir a vida com outra mulher três anos após a morte da esposa. Um acidente com um caminhão-tanque dentro de um túnel ( longuíssimo!) deixa um grupo de pessoas presas nos escombros. Para piorar, uma tremenda nevasca do lado de fora dificulta a chegada de socorro. Cada um se vira como pode para se manter vivo enquanto a situação não se resolve, entre elas , claro, a filha rebelde de Stein. Tem algumas situações daquelas que a gente se pergunta ” mas por que não fazem isso ou aquilo ? “, mas vale pra quem gosta do gênero.

Obs.: É preciso tomar cuidado com o título porque há outro filme coreano com o mesmo nome.

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Agente infiltrada – direção:Yuval Adler – 2020

Mais um filme baseado numa história real. Rachel é recrutada pelo Mossad, o serviço secreto de Israel, para trabalhar em Teerão, Irã, disfarçada de professora de inglês.Sua missão é roubar dados de uma empresa de tecnologia iraniana, com cujo dono ela acaba se envolvendo amorosamente. A trama gira em torno do sumiço de Rachel e as explicações que seu recrutador, um dos gerentes do Mossad, tem que dar ao comando. O lado mais interessante da história, porém, é como alguém lidar com assassinar pessoas inocentes durante a operação, os ditos “danos colaterais”? O papel da protagonista coube à Diane Kruger, Palma de Ouro de melhor atriz em Cannes por “Em Pedaços”.

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Adoráveis Mulheres – direção: Greta Gerwig – 2019 –HBO/Now

Esta é a quarta adaptação do romance Little Woman (Mulherzinhas) de Louisa May Alcott. A primeira, com Katherine Hepburn, é de 1933. Esse último  remake concorreu ao Oscar em seis categorias, inclusive o de Melhor Filme.

Sinopse oficial: As irmãs Jo (Saoirse Ronan), Beth (Eliza Scanlen), Meg (Emma Watson) e Amy (Florence Pugh) amadurecem na virada da adolescência para a vida adulta enquanto os Estados Unidos atravessam a Guerra Civil. Com personalidades completamente diferentes, elas enfrentam os desafios de crescer unidas pelo amor que nutrem umas pelas outras.

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Um clássico sexagenário

Artigo do jornalista Jaime Gargioni especial para a coluna

 

O Belo Antonio

Lançado em 1960, este filme dirigido por Mauro Bolognini, completa 60 anos. É uma produção franco-italiana, parceria que resultou em pérolas da filmografia. Restaurado há um ano, em preto e branco, quando lançado foi motivo de muitas controvérsias, já que trata de um tabu: a virilidade dos sicilianos e dos homens quase gerais. No centro, estava um ator marcado peloselo “macho latino”. Uma provocação do “casting”.Antonio Magnano, interpretado por Marcelo Mastroiani, o protótipo do macho latino, é desejado por todas as mulheres pela sua beleza e pelo obrigatório desempenho sexual. Mas o Belo tem problemas de ordem sexual, já que não consegue atender às expectativas femininas na cama. A seu primo, conta que tudo começou em Roma, quando vomitava ao cumprir seu papel de homem, geralmente com prostitutas.

Pressionado pelo pai, interpretado pelo excelente Pierre Brasseur, Antonio retorna a Catania para casar com a bela Bárbara, interpretada por ninguém menos que Claudia Cardinale. Meses depois, ela comunica a seu pai que continua “intocada”, e começa o processo de separação, já que seu papel era parir. A Igreja anula o casamento invocando o direito canônico. A impotência de Antonio é motivo de chacotas na cidade, ele fica recluso em sua casa, a família coberta de vergonha, na Sicilia machista e apegada às tradições, entre elas a mais impressionante: mostrar na sacada o lençol manchado de sangue na noite de núpcias.

Ah, o cumprimento dos papéis!

Mas tudo muda quando a empregada da família, Santuzza, fica grávida do impotente. Cheia de alegria e aliviada , a família anuncia aos gritos na sacada a boa nova. Uffa, agora Antonio mostra que é um homem completo. Maridos tem que engravidar as esposas, que devem ter muitos filhos. Cada um deve cumprir seu papel.

A história original é de Vitaliano Brancati, e o roteiro foi feito pelo diretor e por Pier Paolo Pasolini, definitivo na qualidade do texto. O filme recebeu muitos prêmios, no Festival de Locarno e também no Brasil. Um porta-aviões hoje apodrecendo na baia da Guanabara, foi batizado em homenagem ao filme.

O ano 1960 foi muito fértil no cinema italiano . Só pra situar, foram lançados ” A doce vida”, de Federico Fellini, “Rocco e seus irmãos”, de Visconti, “A Aventura”, de Antonioni, e “Duas mulheres”, de Vitorio De Sicca que rendeu um Oscar a Sophia Loren e o grande premio de melhor atriz em Cannes.

(*) O Belo Antonio está disponível no YouTube com legendas.

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CONVITE

Já contei aqui que participei de um concurso de texto para teatro no ano passado. Cenas de Confinamento/Escenas de Confinamiento selecionou autores em língua portuguesa e espanhola. Os trabalhos foram compilados em e-book. Agora, para minha alegria, um grupo de atores  adaptou meu texto, “A mulher na janela”, para teatro digital. O resultado pode ser visto no Instagram ( @asjanelass) de 30 de janeiro a 5 de fevereiro, às 18 horas.  A cada noite, uma história diferente extraída de “A mulher na janela”e  adaptada livremente por um dos atores. Como não participei da montagem, ainda não vi o resultado final. Vamos ver juntos?

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THE END

 

Fotos: Reprodução/Divulgação

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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