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O horror, o horror

O horror, o horror
Marlon Brando em Apocalyse Now

Quem assistiu ” Apocalypse Now” , de Francis Ford Coppola, nunca esqueceu a cena em que o Coronel Kurtz/Marlon Brando finalmente aparece na penumbra e murmura a palavra que é a síntese da guerra: o horror, o horror! Essa expressão tem reverberado nos últimos dias diante de tudo que estamos vivendo no Brasil.

Após 24 horas de euforia pela Anvisa ter liberado o uso emergencial da CoronaVac , veio a pergunta fatal: cadê a vacina ? O governo montou um espetáculo para distribuir seis milhões de doses entre os estados. Somos mais 200 milhões de habitantes e não há perspectiva de suprir essa demanda tão cedo, graças à falta de planejamento e às ofensas aos países que poderiam nos socorrer neste momento. Mas deixo essa análise para os especialistas em política, quero falar de outro horror.

Quando leio sobre gente furando a fila dos prioritários – pessoal da linha de frente da saúde e idosos com mais de 75 anos – lembro de outro filme: “Ensaio sobre a cegueira”( 2008), de Fernando Meirelles, adaptado do livro homônimo de José Saramago. A sinopse explica o porquê da minha lembrança: “Ensaio sobre a cegueira” conta a história de uma inédita epidemia de cegueira, inexplicável, que se abate sobre uma cidade não identificada. Tal “cegueira branca” – assim chamada, pois as pessoas infectadas passam a ver apenas uma superfície leitosa – manifesta-se primeiramente em um homem no trânsito e, lentamente, espalha-se pelo país. Aos poucos, todos acabam cegos e reduzidos a meros seres lutando por suas necessidades básicas, expondo seus instintos primários. À medida que os afetados pela epidemia são colocados em quarentena e os serviços do Estado começam a falhar, a trama segue a mulher de um médico, a única pessoa que não é afetada pela doença.

O foco do filme, no entanto, não é desvendar a causa da doença ou sua cura, mas mostrar o desmoronar completo da sociedade que, perde tudo aquilo que considera civilizado. Ao mesmo tempo em que vemos o colapso da civilização, um grupo de internos tenta reencontrar a humanidade perdida. O brilho branco da cegueira ilumina as percepções das personagens principais, e a história torna-se não só um registro da sobrevivência física das multidões cegas, mas, também, dos seus mundos emocionais e da dignidade que tentam manter. Mais do que olhar, importa reparar no outro. Só dessa forma o homem se humaniza novamente.”

A barbárie do “pouca farinha, meu pirão primeiro” deu as caras. Filhas adolescentes de um rico empresário de Manaus, onde pessoas estão morrendo por falta de oxigênio, já foram vacinadas.É vereador furando fila, prefeito cara de pau declarando que ” me vacinei para dar o exemplo à população”, como se o município dele não tivesse recebido apenas 31 doses! Em meio ao caos, golpistas vendem falso agendamento do Ministério da Saúde para poderem hackear o celular das vítimas.

Na Crônica em Quarentena de maio passado, postei apavorada que o país tinha chegado a 19 mil mortos pela Covid. Dois meses depois, a coluna registrou 60 mil mortos. Hoje, já passamos dos 200 mil mortos. Esse número cresce assustadoramente a cada dia, enquanto pessoas lotam praias, festas, baladas e shoppings.

Não sei o que o futuro nos reserva, mas sei que talvez  nem tenhamos futuro se não aprendermos a olhar o outro. Não há saída a não ser pelo amor e pela empatia. Gostaria de encerrar afirmando que vamos nos humanizar novamente, como escreveu Saramago. Entretanto, não vejo sinais. Vocês vêem ? Me animem, por favor.

(Brígida De Poli)

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Apocalypse now – Francis Ford Coppola – 1978

A nova versão completa + dois documentários podem ser vistos no site do Cine Belas Artes.

Ensaio sobre a cegueira – Fernando Meirelles – 2008

Infelizmente, a Netflix excluiu o filme do acervo. Na Amazon, o e-book e o filme estão em falta.

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DICAS DA COLUNA

Filmes

Uma noite em Miami – Regina King – 2020 -Prime Vídeo

Quase todo mundo conhece Regina King como atriz, oscarizada pelo papel em “Se a rua Beale falasse”. Agora, ela estreia como diretora e faz um belo trabalho. O filme conta um encontro fictício entre quatro homens negros que fizeram história: Mohammad Ali (ainda Cassius Clay), o ativista Malcom X, o músico Sam Cooke e o jogador de futebol americano, Jim Brown. Eles se reúnem em um hotel após a vitória de Clay no ringue. Esperando uma festa com bebida e mulheres, os três se surpreendem que Malcom X , ameaçado de morte, quer apenas conversar e divulgar a conversão do boxeador ao Islamismo. Há diferença entre eles sobre a maneira de ver a luta dos negros americanos contra o racismo. O filme se baseia na peça escrita por Kemp Powers. O elenco é ótimo: Kingsley Ben-Adir (Malcom X), Eli Goree( Cassius), Aldis Hodge( Jim), Leslie Odom Jr. (Sam Cooke),

Obs.: Vem indicações ao Oscar por aí.

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Pornô para principiantes – Carlos Ameglio- 2019- Telecine

Uma coprodução Argentina-Uruguai-Brasil para ajudar a desopilar um pouco. Victor (Martín Piroyansky) é um cineasta amador que está vendendo sua câmera para realizar seu casamento, quando um gangster do bairro o obriga a criar uma versão pornográfica de “A Noiva de Frankenstein”. Seu amigo Aníbal (Nicolás Furtado), viciado em pornografia, o acompanha nesta tarefa. A confusão fica ainda maior quando Victor se apaixona pela protagonista e atriz pornô internacional, Ashley Cummings (Carolina Manica). Sinopse:Adoro Cinema.

 

Séries

The english game –minissérie – 6 episódios – Netflix

Uma produção de luxo, com ótima reconstrução de época, embora não se atenha à história real do futebol. O jogo inventado por estudantes aristocratas acaba interessando a classe operária. Surgem jogadores talentosos, mas que precisam receber para jogar, como forma de sobrevivência. Isso vai contra as regras da Associação criada pelos muito ricos. Há situações paralelas às disputas em campo, às vezes melodramáticas demais, mas vale a pena ver a minissérie e como dois jogadores de classes diferentes conseguem se unir em benefício do esporte e da vida dos futebolistas.

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CB Strike – 7 episódios – BBC – HBO

A BBC tem selo de qualidade em tudo que produz, mas eu não levava muita fé em mais uma série de detetive. Dei uma chance e acabei gostando, principalmente da composição dos personagens principais. A distribuição é da HBO.

O protagonista é Cormoran Strike, um investigador particular, veterano que perdeu parte da perna na guerra, filho de um astro de rock ausente e da mãe, modelo, morta oficialmente por overdose. Tudo isso já prenuncia que Strike não é o homem mais feliz do mundo. Recém separado da mulher por quem era apaixonado, dormindo no velho escritório, ele recebe a jovem Robin como estagiária. Logo, ela demonstra o quanto é sagaz e interessada na atividade investigativa. Cormoran já não se sente tão solitário, mas Robin é noiva de um executivo que não gosta nem um pouco da profissão escolhida por ela. Enquanto isso, a dupla vai desvendando assassinatos  que a polícia de Londres não consegue resolver e se aproximando cada vez mais um do outro.

A escolha dos atores foi fundamental para dar certo: Holly Grainger  (Robin) parece um anjo ferido, pois também carrega um drama, e Tom Burke (que recentemente interpretou Orson Welles em “Mank”) passa profunda melancolia no olhar, que muda logo em ternura quando olha para Robin.

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THE END

 

Fotos: Reprodução/Divulgação

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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