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Sobre anjos e amigos

Sobre anjos e amigos

Toda casa católica da minha geração tinha na parede o quadro de duas crianças atravessando uma ponte e atrás delas um anjo protetor. Era uma imagem linda e reconfortante. Eu olhava para ela antes de dormir e rezava toda noite: “ Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador…”. Depois do amém pedia proteção para meus pais, irmãos e para os meus amiguinhos.

Os anos passaram e me afastei da igreja católica depois de estudar em colégio de freiras. Abandonei os rituais, a confissão, as missas dominicais, mas mantive a crença na oração. Ainda rezo, inclusive para o Santo Anjo. Ele tem tido muito trabalho comigo, pois nesses tempos sombrios estou sempre pedindo proteção para as muitas pessoas do meu afeto contra a Peste. Cada amigo que me manda a foto, comprovando a vacinação, me enche de emoção e alívio. Agradeço ao anjo da guarda de cada um.

O interessante é como a ideia de anjos e amigos se misturam na literatura! Quem nunca leu “ há anjos que caminham entre nós disfarçados de amigos” ou “ Somos todos anjos de uma asa e só podemos voar quando abraçados uns aos outros”, atribuída na internet a Fernando Pessoa ou ao filósofo italiano Luciano de Crescenzo? È bela, mas na verdade vem de uma lenda chinesa sobre o pássaro hyoku que nasce com apenas uma asa e precisa de outro para voar. Mas bem poderia ser um anjo.

Na minha cabeça  as duas figuras também se misturam. Comecei falando de anjos e, meio sem pretender, cheguei nos amigos. Acabei lembrando de um querido amigo que perdeu o melhor amigo dele para a Covid na semana passada. E de tanta gente que tem chorado a perda de amigos…

Há um poema do Carlos Drummond de Andrade feito para o amigo Pedro Nava que se suicidou em 1987. Apesar da morte voluntária, ele tem versos que cabe em qualquer dor semelhante.

A um ausente

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
(…)
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.

(…)
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

E depois de Drummond, Leminski falando sobre os amigos vivos…

meus amigos
quando me dão a mão
sempre deixam outra coisa
presença
olhar
lembrança
calor
meus amigos
quando me dão
deixam na minha
a sua mão.

De minha parte, nada a acrescentar.

(Brígida De Poli)

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DICAS DA COLUNA

SÉRIES

The nevers – fantasia – HBO

A HBO tenta repetir o arrasa-quarteirão que foi Game of Thrones no gênero fantasia. Àrdua tarefa! Aqui a opção foi pela era vitoriana, mas rompendo alguns estereótipos. As mulheres são as heroínas e não as moças de espartilho apertado que sempre caíam e torciam o tornozelo na hora da fuga. A trama é mais ou menos a seguinte: no final do século XIX um objeto estranho cruza o céu de Londres e provoca dons especiais em muitas mulheres e em alguns homens. Está justificado assim o surgimento de super-heroínas vitorianas. Uma prevê o futuro, a outra fala todos os idiomas, mais outra que transforma tudo em vidro, a que consegue conduzir eletricidade e até uma cuja capacidade é matar. Elas protegem os “tocados”, ou seja, quem adquiriu poderes e é perseguido pelo sistema.

Ainda é cedo para dizer a que veio, pois há apenas um episódio liberado, mas a produção é luxuosa. ( trailer : View Tube).

 

Them (Eles) – terror – Prime Vídeo

Uma boa pedida para quem curte terror psicológico. A cada temporada, uma nova história. A primeira conta o caso de uma família negra que se muda, nos anos 50,  da racista Carolina do Norte para um lugar tido como mais liberal, Los Angeles. Só que não é bem assim: as pessoas da família se tornam os “eles”, aqueles que são vistos como prejudiciais para a imagem do bairro branco. Quem viu “Nós”, o filme, vai achar certa semelhança. Não vou me estender muito pra não dar spoiler.

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FILMES

O filho de Jean – direção: Phillip Lioret- 2016-Prime

Nesse drama delicado, Mathieu é  um homem tímido, inteligente, que vive sua vida comum em Paris. Ele se dá muito bem com a ex-mulher com quem tem o filho Valentin. Um dia, Mathieu recebe uma ligação dizendo que seu pai, que nunca conhecera, faleceu. Ele decide ir a Montreal, no Canadá, onde o pai morava, para conhecer mais sobre sua história. Chegando lá, seu contato é um grande amigo de seu pai que o ajuda bastante nessa jornada reveladora. Não fosse por ele, Mathieu não saberia mais sobre o pai, pois os dois irmãos que ele acaba de conhecer não querem conversar a respeito.

Coletânea Bernardo Bertolucci – Belas Artes à la carte

Um presente para quem quer conhecer ou rever alguns dos melhores filmes do brilhante diretor italiano. Estão no acervo: Assédio, O pequeno Buda, O último imperador, Beleza Roubada e o meu favorito, O Céu que nos protege.

Em “O Céu que nos protege”, Kit (Debra Winger, na foto) viaja com o marido Port (John Malkovich) para o Saara atrás de novas aventuras que estimulem a vida a dois. Uma tragédia muda tudo. A fotografia e a trilha sonora são maravilhosas.

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THE END

(*) Fotos reprodução/divulgação

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