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Tá lá o corpo estendido no chão

Tá lá o corpo estendido no chão
Reprodução/Insight

Dando um tempo no formato temático de Cine & Séries, mas garantindo a leitura semanal para quem segue a coluna. Toda sexta-feira,  uma nova “Crônica em Quarentena” e, claro, dicas de filmes e séries para amenizar esses tempos difíceis de pandemia e isolamento social. Fiquem bem!

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Tá lá o corpo estendido no chão

Estamos tão sufocados por notícias tristes e infames que já não conseguimos reagir a todas. Às vezes uma delas chega tão colada à anterior que mal dá tempo para a indignação. Mas no meio desses acontecimentos terríveis, alguns saltam das páginas do noticiário e me atingem como um punhal. Há poucos dias, um fato que não virou manchete nos jornais, fez isso comigo.

O local: uma padaria e confeitaria de Ipanema, o icônico bairro do Rio de Janeiro. Era 7h20 da manhã quando Eduardo Pires de Magalhães entrou no local pedindo que alguém chamasse o SAMU. Tinha sangue na camisa de tanto tossir, resultado da tuberculose que corroia seus pulmões de usuário de crack e morador de rua há quatro anos. Pouco depois, Eduardo caiu morto no meio da padaria.

A história seria dramática por si só, mas o que se seguiu à morte dele foi o que acabou comigo. Para não perder o lucro do dia, o responsável pelo estabelecimento cobriu o corpo do homem de 40 anos com sacos pretos de lixo. Um cliente chegou a questionar essa atitude e ouviu : “Ninguém teve humanidade quando ele estava jogado na rua. Agora que morreu jogado na minha padaria querem que eu tenha humanidade”. Os fregueses continuaram tomando seu café com croissants a poucos metros de Eduardo, enquanto a Defesa Civil não chegava para remover o “incômodo” dali.

Lembrei que há alguns anos estava almoçando com meu marido nas mesinhas de rua de um restaurante da Recoleta,  bairro de Buenos Aires. Fazia um dia lindo, estávamos alegres por estarmos num país que a gente adora, o ojo de bife com papas fritas estava delicioso . Nisso chega uma jovem, grávida de uns oito meses, pedindo dinheiro ou comida. Ela se dirigiu primeiro à mesa ao lado da nossa  onde estavam dois casais. Eles olharam a moça com desprezo e responderam um ríspido “não”. Mal ela se afasta, escuto a senhora (loira oxigenada, como diria Chico Buarque) falar em bom português ” que nojo, essa gente se enche de filhos e ainda tem audácia de vir aqui estragar o almoço da gente”. Quem estragou meu almoço, meu humor, meu dia foi ela, a falsa loira, com seus muitos anéis de ouro e bolsa de grife.

Olhando retrospectivamente, percebo que aquilo era um prenúncio de tempos sombrios. Deus está na boca de muitos, mas quem parece estar no comando é o seu maior adversário. Ou são divinos o egoísmo, o preconceito e a indiferença com aqueles que não se encaixam, não possuem bens, nem importam a ninguém ? Como Eduardo que morreu atrapalhando o desjejum dos cariocas, completamente sozinho porque dias antes, ao perceber que estava muito mal, pediu para alguém cuidar dos dois cachorros, seus companheiros inseparáveis. No dia seguinte, capas de jornal estampavam fotos de candidatos prometendo resolver todos os problemas da cidade, inclusive cuidar dos mais pobres. Sobre Eduardo, nem nota de rodapé.

Tá lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto, uma foto de um gol
Em vez de reza, uma praga de alguém
E um silêncio servindo de amém. ( João Bosco/Aldir Blanc)

(Brígida De Poli)

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DICAS & DICAS

FILMES

Ava – direção: Tate Taylor – 2020   (Netflix)

Esse é para quem gosta de filmes de ação ao estilo “John Wick” ! Só que agora a assassina profissional usa batom e atende pelo nome de Ava. Ela trabalha para uma organização especializada em dar sumiço em políticos que fizeram algo errado. Bem que ela tenta saber o que foi, mas os alvos não contam. Jessica Chastain, a queridinha de Hollywood, é a protagonista, mas o elenco traz também John Malkovich, o chefe direto de Ava, e Colin Ferrel o manda-chuva que está descontente com o trabalho de Ava. ( Trailer do Canal TrailersBR- YT)

 

Clair Obscur – direção: Yesim Ustaoglu – 2017 (Netflix)

Essa produção turca/alemã recebeu vários prêmios para as duas protagonistas. Uma delas é psiquiatra, a outra uma cliente muito jovem, acusada de matar o marido e a sogra. Aos poucos vai se revelando a trágica história da garota, enquanto a médica também olha para sua própria vida, aparentemente perfeita. É um filme para quem curte o aprofundamento dos personagens e não se importa com o ritmo lento da narração.

 

Crepúsculo dos deuses – direção: Billy Wilder – 1950

O Telecine programou esse classicão em preto e branco que conta a história de Norma Desmond, uma atriz do cinema mudo em decadência que contrata o oportunista escritor Joe Gillis, vivido por William Holden, para escrever um novo roteiro. Gloria Swanson que vive Norma recebeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz e o filme levou o Oscar de Melhor Roteiro Original.

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SÉRIES

Enquanto não chegam novas boas séries em streaming, confira os catálogos e descubra se você já viu as antigas que valem a pena.

Mad Men – 7 temporadas ( Prime Vídeo)

Uma das melhores séries já feitas. Ela mostra a expansão das grandes agências de publicidade nos EUA, tendo como pano de fundo os fatos históricos dos anos 60. A corrida espacial, a luta pelos direitos humanos, a mudança nos comportamentos, está tudo lá. A reconstituição de época é espetacular e o figurino influenciou coleções. Em resumo: gostaria de não ter visto para poder ver agora!!!

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BÔNUS

PARA VER E DEBATER

A Mostra Domínio Público, promovida pela parceria entre os cineclubes atuantes na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), vai exibir  online no dia 04 de dezembro o filme “O Intruso”, de Roger Corman, seguido de um debate.

Sinopse: Um homem em um terno branco reluzente chega a uma pequena cidade do sul de Caxton na véspera da integração. Seu nome é Adam Cramer, e ele se autodenomina um reformador social. Mas seu objetivo é incitar a violência racial de moradores contra a minoria negra da cidade.

O filme será hospedado no YouTube e o link divulgado no dia da sessão, através das redes sociais dos cineclubes.

Link do filme:aqui

Evento no Facebook:aqui

 

Ficha técnica do filme:

EUA – 1962 – pb – 84 min
Direção: Roger Corman
Roteiro: Charles Beaumont
Elenco: William Shatner, Frank Maxwell, Jeanne Cooper, Beverly Lunsford,
Robert Emhardt, Charles Beaumont
Gênero: drama
Idioma: inglês com legendas em português.

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CINEMA ITALIANO

O Cine Belas Artes, streaming especializado em clássicos e produções de diferentes nacionalidades, está com o 15° Festival de Cinema Italiano. São 26 filmes novos e clássicos. Entre eles estão “O que será”, “Odeio o verão”, “Os homens de ouro”, “O ladrão de dias” . Na retrospectiva, alguns como “Morte em Veneza” e ” O carteiro e o poeta”.

A mensalidade do Belas Artes é super acessível. Vale a pena diante de tanta oferta de bons filmes.

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THE END

(*) Fotos reprodução/divulgação

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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