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A hora marcada

A hora marcada

Dois casais uruguaios da mesma família descansavam tranquilamente nos confortáveis apartamentos do hotel à beira do lago Nahuel Huapi.Tinham escolhido uma das mais belas cidades da América do Sul, na Patagônia argentina, para comemorar o prêmio milionário ganho na loteria. Depois das andanças típicas de quem faz turismo, incluindo subir no cerro para esquiar na neve, os quatro decidiram tirar um cochilo antes de sair para jantar. Marcaram a hora do reencontro e foram para os respectivos quartos.

Foi tudo tão rápido que talvez eles nem tenham entendido o que se passou. Depois de muita chuva, o morro atrás do hotel desmoronou e uma avalanche de lama invadiu os apartamentos do primeiro andar. Três pessoas da família morreram soterradas. Os hóspedes dos outros andares saíram ilesos.

Este caso impactou-me não só por já ter estado hospedada no mesmo hotel de Bariloche e guardar lembranças maravilhosas do lugar, mas pela ironia do grupo ter saído para “viver a vida”, depois da viagem várias vezes adiada por causa dos riscos da pandemia.

Lembrei de outro caso ocorrido, por coincidência, na mesma cidade. Um grupo de catarinenses jantava em um restaurante típico patagônico– que , por acaso, também conheci – quando um deles engasgou-se com um pedaço de carne. Como ninguém soube fazer a conhecida Manobra de Heimlich para desengasgá-lo, o homem morreu na hora.

Não estou relatando esses casos por morbidez ou para indicar que Bariloche é um lugar perigoso, mas porque esse assunto sempre traz de volta uma discussão filosófica sobre a morte. Temos todos nossa “hora marcada” ou é o acaso que decide quando vamos partir para a eternidade? Sou das que tendem a não acreditar em destino, apenas em um misto de livre arbítrio e coincidência.

Claro, mesmo sem acreditar que “tudo está escrito”, não me perguntem por que dos quatro turistas uruguaios apenas uma mulher que estava no mesmo quarto escapou da morte. Muito menos, sei responder por que no acidente do Airbus 310, da companhia aérea Yemenia, em 2009,  uma menina de doze anos foi a única sobrevivente entre os cento e cinqüenta e três ocupantes da aeronave?

Seja destino ou acaso, o certo é que todos partiremos um dia. Então, em outro plano talvez obtenhamos a resposta para a nossa dúvida. Claro, se existir vida após a morte, mas isso já é outra discussão.

(Brígida De Poli)

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MICROCONTOS

Aguarde a coletânea “Entre Lugar”, do grupo @literaturaminima, com microcontos sobre pessoas em deslocamento e refúgio. A renda será doada para entidades de apoio a refugiados e imigrantes.

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