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Cheiro de doce no ar

Cheiro de doce no ar

Eu não pretendia escrever sobre o assunto. A proximidade do Dia das Mães traz um volume exaustivo de campanhas publicitárias, algumas muito bem-feitas, reconheço.  Achei que já era um tema por demais explorado, mas meu professor de Criação Literária nos deu o desafio de escrever o miniconto “ Quando descobri a palavra mãe”. Aí, comecei a pensar nela e tudo mudou.

Durante as tentativas de colocar em apenas cinquenta palavras uma figura tão imensa, fui relembrando passagens da convivência com minha mãe. As melhores recordações não são da infância, mas da vida adulta. Ela cozinhava ouvindo música no rádio que ficava sobre a geladeira. Eu a ouvia cantarolar e assoviar enquanto mexia as panelas, rara manifestação de leveza em uma mulher tão séria. A vida foi dura com ela. Ficou viúva com três filhos para criar, o mais velho com treze anos e o caçula com dois. Eu, no meio, com dez. Voltou a trabalhar à noite num hospital como atendente de enfermagem para garantir o sustento da casa. Durante o dia cuidava dos afazeres domésticos.

Aos domingos, minha mãe fazia a alegria da família ao redor da mesa- o que significava muitas irmãs com respectivos maridos e filhos- onde servia uma comida simples e deliciosa. Cuidava para que todos recebessem o que gostavam. Para a filha, pimentão jamais. Um dia, preparava seus famosos doces cristalizados e os colocou sobre a murada na sacada para secarem. Um enxame de abelhas invadiu a casa, atraído pelo cheiro dos figos e abóbora. Minha mãe saiu de avental, correndo e gritando para fora do edifício. Depois rimos muito, mas na hora foi um grande susto!

Desde a partida dela experimentei doces cristalizados de vários fabricantes, mas nunca mais encontrei neles o mesmo sabor. Eu sei, eu sei… nunca mais vou encontrar.

(Brígida De Poli)

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A PALAVRA MÃE

Aqui estão alguns minicontos resultantes do desafio “Quando descobri a palavra mãe”, criado pelo mentor do site @literaturaminima, o escritor e professor, Robertson Frizero.  Uns foram escritos sob a perspectiva de quem é mãe, outras pelo olhar de filho. Tudo em 50 palavras. Boa leitura!

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FILMES E SÉRIES SOBRE ELAS

Na coluna do Dias das Mães de 2019 –  quando a gente ainda levava uma vida normal e a coluna era temática, lembram? – fiz uma coletânea de filmes sobre mamães não tão boazinhas! Aqui está o link para quem quiser ver ou rever as histórias.

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OUTRAS SUGESTÕES

Série

The Handmaid`s Tale (O conto da aia) – 4 temporadas – Canal Paramount +

Essa foi a série que me fez assinar mais um canal! Agora, chegaram os primeiros episódios da quarta temporada. Para quem não conhece: trata-se de uma distopia onde uma facção religiosa toma o poder de parte da América do Norte, depois da morte do presidente americano em um atentado. A nova ordem é moralista – e hipócrita – transformando mulheres em objeto, principalmente para gerarem filhos dos comandantes, já que suas esposas se tornaram inférteis. Não é uma série para os mais sensíveis, pois as punições a quem se rebela são cruéis.

A protagonista Julia Osborne ou Offred, nome dado a ela pelo governo, é uma das aias que serve aos propósitos do comandante e esposa para terem um bebê. Só que ela traz sangue nos olhos depois que lhe tiraram sua filha de um feliz casamento anterior ao novo regime. Ela quer a filha e sua vida de volta e transforma a vida dos ditadores num inferno.  A ótima Elizabeth Moss interpreta Offred e é maravilhoso ver como sua expressão vai transformando ao passar dos episódios. Agora ela carrega um lampejo de loucura no olhar. Não por acaso, a série e a atriz foram premiadas muitas vezes.

Para quem já acompanha a série, essa quarta temporada traz June fugindo e liderando um grupo de aias prontas para lutar pela liberdade.

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Filmes

Vozes e vultos – direção: Shari Springer Berman – 2021 –Netflix

Essa produção original da Netflix chegou com fama de ser um dos melhores suspenses da temporada. Reconheço que investiram no elenco, principalmente colocando Amanda Seyfried – de Mamma Mia– como protagonista. Mas, para mim, ficou devendo muito. Quando li a sinopse “ casal de Nova York se muda para uma antiga mansão na Inglaterra” já me cheirou a clichê, mas ainda tive esperança de que iriam me surpreender.  Infelizmente foi mesmo um festival de coisas que já se viu antes em vários filmes. Bem, mesmo assim, sugiro que vejam e tirem suas próprias conclusões. Li depois que a história tem base em situações vividas pela autora do livro. Vejam e opinem.

 

Estados Unidos X Billie Holliday – direção: Lewis Daniel – 2021- Prime Vídeo

Quem acompanha a coluna já deve ter percebido o quanto sou fã de Billie Holliday. Ela foi, inclusive, uma das homenageadas no meu livro de crônicas “As mulheres da minha vida” (Ed.Insular/2019). A história trágica da grande cantora volta às telas, agora mostrando um recorte de como Billie foi perseguida pelo Departamento Federal de Narcóticos, a partir da operação liderada por um agente federal com quem ela tivera um caso tumultuado no passado. Mesmo no auge da carreira, ela não tinha sossego, principalmente por ter composto e cantado Strange Fruit, uma espécie de hino-denúncia contra o assassinato de negros pelos brancos sulistas. Perseguida sem tréguas pela polícia, Billie acabaria morrendo em total decadência, aos 44 anos. A atriz Andra Day não é muito conhecida, mas faz uma interpretação honesta da grande diva do jazz.

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PERDA

O homem que amava o Cinema

A coluna já estava pronta quando recebi a notícia da morte de Gilberto Gerlach. Não poderia deixar de escrever algumas linhas sobre a importância dele para a cultura de Santa Catarina. Quando cheguei aqui em 1988, achava que ia morrer por falta de bons filmes. Graças a ele, encontrei uma programação diferenciada e de encher os olhos de qualquer cinéfilo.

Fui apresentada ao diretor sérvio, Emir Kusturica, na programação que Gerlach, criador do Cineclube Nossa Senhora do Desterro, colocou à disposição no pequeno e acolhedor Teatro Adolpho Mello, no Centro Histórico de São José. Lembro que vi ” O que aconteceu a Dolly Bell”(1981) e ” Quando papai saiu em viagem de negócios”(1985). Nunca mais deixei de acompanhar a filmografia de Kusturica.

Depois, Gerlach transferiu o Cineclube para a sala do Centro Integrado de Cultura, que bem poderia levar o nome dele. Lá foram incontáveis os bons filmes que assisti. Adorava ficar olhando os enormes cartazes de produções européias nas paredes do CIC. Depois descobri que eram da coleção pessoal dele.

Nos anos 2000, Gilberto Gerlach realizou um sonho: reativou o Cine York, no Centro Histórico. Além da charmosa sala com poltronas em veludo vermelho, no mesmo prédio funcionava um bar. Era um programa delicioso, infelizmente descoberto por poucos. Acabou fechando alguns anos depois.

 

Só posso agradecer a Gilberto Gerlach pelas muitas horas agradáveis diante da tela e deixar meu abraço a sua família. Em um momento de tanto desprezo pela cultura nesse país, ele fará muita falta.

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THE END

(*) Fotos reprodução/divulgação

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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